terça-feira, 14 de março de 2023

Tecnociência, biotecnologia, aprimoramento humano e responsabilidade

Inicialmente este pequeno ensaio foi concebido como trabalho de conclusão da disciplina Filosofia da ciência III, ministrado pelo Prof. Dr. Ronei Mocellin e pela Profa. Dra. Débora Aymoré, disciplina ofertada no curso de graduação do curso de filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Meus agradecimentos à Profa. Débora, pela amizade e pelas orientações e incentivo, também agradeço aos amigos Rodrigo Mickus e José Geraldo por me introduzirem ao tema e as conversas sensacionais, também agradeço ao colega Douglas Leonardo.
Para Tawana Tábata.

Resumo: Este pequeno ensaio tem como proposta apresentar e refletir sobre o conceito de tecnociência. Quais são os seus desdobramentos no campo das ciências e na sociedade. A partir destas questões desenvolveremos algumas considerações a respeito da necessidade de uma ética que comporte os dilemas da contemporaneidade, para desenvolvermos este tópico apresentaremos uma das principais promessas da biotecnologia e a tecnociência: o aprimoramento humano.

Palavras-chave: aprimoramento humano; bioética; biotecnologia; responsabilidade; tecnociência

Introdução

Ao realizarmos uma rápida digressão na história da civilização percebemos que houve e continua haver grandes transformações. Gostaríamos de chamar a atenção para aquelas causadas pela interação entre espécie humana e a técnica[1]. Da revolução neolítica à revolução industrial 4.0.  

Com todo o boom tecnológico da revolução industrial 4.0 é dificultoso imaginar que a sociedade contemporânea consiga passar algumas horas ou dias sem o auxílio de algum aparato tecnológico.

É neste contexto que este ensaio se insere. Sendo a partir da (r)evolução da ciência e da tecnologia que iremos refletir. Segundo alguns teóricos desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com o avanço de vários campos da ciência surge a tecnociência. Mas, o que é tecnociência? Qual a sua repercussão no campo científico e na sociedade? A partir destas questões elementares este ensaio será dividido em três partes. I) apresentaremos a contextualização e o surgimento do conceito de “tecnociência”, II) qual é a repercussão deste conceito no campo teórico/aplicado e na sociedade e III) com o advento da tecnociência qual é a sua repercussão no campo da ética aplicada, ou seja, necessitamos de uma ética que leve em consideração os fenômenos ocasionados pela tecnociência?

Para tratarmos das implicações éticas da contemporaneidade, apresentaremos uma das principais promessas da tecnociência e da biotecnologia: o aprimoramento humano, também discutiremos sobre as implicações desta promessa a partir da bioética e do biodireito, sobretudo, a partir da noção de “responsabilidade” proposta pelo filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993).

 

Ciência e tecnociência

 

Antes de adentrarmos no conceito de tecnociência propriamente dito, gostaríamos de chamar a atenção para uma distinção entre ciência e tecnociência. Ao apresentar as suas respectivas diferenças evitaremos confusões conceituais.

Segundo o Dicionário Oxford a palavra ciência possui a seguinte definição:

 

Conhecimento sobre a estrutura e o comportamento do mundo natural e físico, com base de fatos que podem ser comprovados, por exemplo, através de experiencias[2] (Tradução nossa, OXFORD, 2022).

 

Para complementar esta definição recorremos ao Dicionário de filosofia:

 

Do latim Scientia. Conhecimento que inclua, em qualquer forma, qualquer medida, uma garantia da própria validade. A limitação expressa pelas palavras “em qualquer forma ou medida” é aqui incluída para tornar a definição aplicável à ciência moderna, que não tem pretensões em absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a ciência inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como o conhecimento, o grau máximo de certeza. O oposto de ciência é a opinião, caracterizada pela falta de garantia acerca de sua validade. As diferentes concepções de ciência podem ser distinguidas conforme a garantia de validade que se lhe atribui. Essa garantia pode consistir: 1 na demonstração; 2 na descrição; 3 na corrigibilidade (ABBAGNANO, 2007, p. 136).

 

A partir destas definições podemos afirmar que além de buscar compreender a totalidade da realidade, seja através do uso de metodologia e instrumentos, a ciência tem como objetivo alcançar a verdade. Ao longo da história da ciência tais objetivos tornaram-se claros, a título de exemplo chamamos atenção para o debate em torno dos avanços no campo da astronomia através da ciência moderna. Já na contemporaneidade com o advento do programa de convergência de tecnologia de aperfeiçoamento humano através do NBIC (Nanociência, Biotecnologia, Ciência da Informação e Ciências cognitivas) e CTEKS (Converging Technologies for the European Knowledge Society) os estudos nos campos das ciências têm cada vez mais proliferado, assim como os seus desdobramentos, seja na sua aplicação, seja no campo teórico, deste modo causando uma série de debates.

Através desta breve apresentação sobre o que é ciência conseguimos visualizar que a interação (ou dualidade) entre ciência e tecnologia tornou-se cada vez mais intensa. É a partir deste boom que surge a tecnociência.

Apresentar uma definição precisa ou afirmar quem foi o primeiro a utilizar o conceito de tecnociência é uma tarefa espinhosa. Segundo o verbete “Technoscience” encontrado no Encyclopedia of science, technology and ethics (2005), ao adotar uma cronologia histórica, isto é, ao olharmos para o passado, os filósofos Francis Bacon (1561-1626) e Gaston Bachelard (1884-1962) são considerados como fundamentais para a gestação deste conceito (MITCHAM, 2005, p. 1915).  

O filósofo belga Gilbert Hottois (1946-2019) vai reclamar para si o título de patrono do conceito “tecno-ciência”.

 

Eu mesmo comecei a usar a palavra por volta de 1970. Usei no título de um artigo em 1978 “Ethique et techno-science publicado na La pensée et le hommes, uma revista belga de filosofia e de “ética secular.” O título é significativo, pois sugere que ciência é tecnociência, inevitavelmente levanta uma série de questões práticas. Entretanto, naquela época eu quase não abordava questão dessa ordem. Por “tecnociência” eu estava designando o que considerava como problema fundamental na qual parecia que as filosofias dominantes do período pareciam positivamente evitar... Minha insatisfação também dizia a respeito aquelas filosofias da ciência que apenas concebe o empreendimento científico como teórico e discursivo. A palavra “tecnociência” visava enfatizar as dimensões operacionais – tecnológicas e matemáticas – da ciência contemporânea[3] (Tradução nossa, HOTTOIS, 2018, p. 123).

 

Hottois (2018) afirma que o seus objetivo com a palavra “tecno-ciência” era apresentar uma alternativa ao modo como a filosofia da ciência encarava a própria ciência, segundo Hottois, os filósofos analíticos, especialmente orientados pelo linguistic turn, não eram mais capazes de tratar da ciência de maneira suficiente, ou seja, embora tais filósofos tenham a sua importância, eles não acompanharam os problemas que surgiram com a ciência contemporânea, além disso; o filósofo belga também tinha como objetivo apresentar os equívocos de Martin Heidegger (1889-1976), ao refletir sobre a técnica (cf. HOTTOIS, 2018, p. 122).

Entretanto, o filósofo não esperava que o seu conceito tivesse tanta repercussão no campo das ciências e da própria filosofia. A partir desta repercussão inesperada, Hottois viu-se obrigado a revisitar e reformular o conceito ao longo de sua carreira filosófica (cf. HOTTOIS, 2018, p. 135-136), inclusive devido ao fato de o conceito ter gerado certos equívocos, sobretudo, no debate entre os tecnofóbicos e tecnofílicos[4]  (HOTTOIS, 2018, p. 129). No entanto, mesmo com tais equívocos de interpretação, Hottois reconhece que o conceito tecnociência ganhou vida própria, além de ser multifacetada.

O conceito tinha como objetivo esclarecer as transformações que vinham ocorrendo no mundo material através do uso exacerbado da tecnologia, ou seja, a distinção entre natural-artificial começa a perder significância, assim como provoca transformações na economia, na política e na sociedade (cf. HOTTOIS, 2018, p. 136).

 Os filósofos Bruno Latour (1947-2022) e Jean François-Lyotard (1924-1998), e bem como Donna Haraway, cada um a seu modo (embora cada um deles tenham sido influenciado por Hottois) será fundamental para a difusão e a problematização deste conceito no campo das ciências duras e nas ciências humanas (MITCHAM, 2005, p. 1915).

Embora cada um destes filósofos tenha um entendimento diverso deste conceito, tais interpretações possuem o seu mérito próprio. Mesmo possuindo as suas diferenças, é possível encontrar um ponto em comum entre eles. Todos estes pensadores afirmam que o período pós-guerra foi fundamental para o surgimento e a consolidação da big science nos Estados Unidos (BENSAUDE-VINCENT, 2013, p. 40-48).

Javier Echeverría, por sua vez, em La revolución tecnocientífica (2003), sistematiza uma historiografia da tecnociência e a sua repercussão no campo científico, econômico, militar, social e político. Para o filósofo, desde o advento da ciência moderna, os cientistas buscam financiamentos de seus projetos teóricos e práticos entre os que detém o poder, ao financiar o cientista. A partir disso notamos como se dá a relação entre o cientista e o seu financiador. Para o Estado, o sucesso e o avanço científico para a nação são de extrema relevância em diversos aspectos, sobretudo em relação a políticas externas (cf. ECHEVERRÍA, 2003, p. 46); neste sentido, considerando o contexto da economia globalizada.

Para o filósofo, esta relação entre ciência e poder intensifica-se durante o pós-guerra e a Guerra Fria.  Echeverría chama atenção para duas peças fundamentais: o sucesso do Projeto Manhattan, o do desenvolvimento de computadores com o Projeto ENIAC e sobre o relatório de Vannevar Busch (1890-1974) intitulado Science, the last frontier (1945) (cf. ECHEVERRÍA, 2003, p. 13).

A partir destes dois momentos cruciais para a consolidação da tecnociência, áreas como a biotecnologia, inteligência artificial, nanotecnologia e robótica ganham cada vez mais protagonismo. Este protagonismo poderia ser justificado da seguinte maneira: tais áreas contribuiriam para o progresso da humanidade, embora não esteja certo o que o progresso significa neste caso, se apenas mais produção de bens materiais ou impliquem em algum tipo de mudança no comportamento social.

Além desta suposta preocupação com o progresso da humanidade, a tecnociência possui outras características marcantes: a interdisciplinaridade e uma intensa interação entre a universidade (cientistas), o Estado (exército) e empresas privadas (cf. ECHEVERRÍA, 2003, p. 45-47). Com a globalização a interação entre tais instituições se tornam cada vez mais explícitas, deixando clara a relação de dependência entre elas.

            Entretanto, mesmo que a tecnociência venha superar (e apropriar-se) a ciência e o próprio conhecimento científico, é fundamental que compreendamos as distinções entre elas, mesmo de maneira sintética.

            Além da nomenclatura, tanto a ciência, quanto a tecnociência possuem métodos diferentes para conduzir seus respectivos trabalhos, enquanto a tecnociência preza a interdisciplinaridade e a interseccionalidade, a pesquisa tecnocientífica possui um objetivo final, que comumente está alinhada à lógica capitalista (cf. CUPANI, 2015, p. 175), que preza fundamentalmente, pelo capital, pelo lucro, pelo mercado.

Embora este raciocínio possa ser questionado, devemos levar em consideração que a ciência, a atividade científica não está preocupada (pelo menos em sua essência) em ser patenteada, comercializada; a ciência possuí o objetivo de fundamentar e contribuir com a legitimidade de determinada forma de conhecimento (cf. CUPANI, 2015, p. 176).

Através destas transformações nos campos das ciências e do progresso tecnocientífico, percebemos que a interação entre CTS (Ciência, tecnologia e sociedade) vem se modificando. Com o avanço da tecnologia, o seu uso se torna um desiderato, e, no limite, incontornável para o funcionamento das sociedades contemporâneas.

Em síntese, a tecnociência tem como propósito aperfeiçoar a tecnologia nas suas diversas frentes: através na bioengenharia, biomedicina, biotecnologia, nanotecnologia, robótica etc. Essas áreas do conhecimento apresentam a promessa de revolucionar o modo de vida das sociedades contemporâneas, ou seja, com o advento da tecnociência começa a ficar claro que o éthos clássico não é mais o suficiente para propor soluções condizentes com os dilemas éticos contemporaneidade.

 

Tecnociência, biotecnologia e aprimoramento humano

 

            A tecnociência também pode ser caraterizada como a realização do projeto baconiano, uma vez que a ciência não deve apenas compreender a natureza, ao contrário; apresenta entre seus objetivos deve dominar, manipular a natureza (cf. VALVERDE, 2015, p. 119). Também ressaltamos que a revolução tecnocientífica tem sido fundamental para a proliferação das pesquisas em escala micro e nano. Como bem destaca Débora Aymoré (2022), a tecnociência tem sido fundamental para a investigação sobre os tijolos elementares da matéria: bits, átomos, neurônios e genes (AYMORÉ, 2022, p. 332)[5].

            Como já mencionado, uma das promessas da tecnociência é o bem estar da humanidade; neste caso, a partir da instrumentalização da tecnologia nas mais diversas frentes. Com o do sucesso do projeto ENIAC e uma série de pesquisas e aperfeiçoamentos, em 1976 surge o primeiro computador pessoal (PC), o Apple I, criado pelo estadunidense Steve Jobs. Assim como o projeto ENIAC, a internet surgiu como uma ferramenta para fins bélicos, o projeto ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network). Posteriormente, em 1982 a internet começou a ser usada nas universidades estadunidenses, e, em 1992, a internet começa a atravessar as fronteiras dos EUA. No mesmo ano, em continente europeu, o CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) sob a supervisão de Tim Berners-Lee desenvolve o World Wide Web (WWW).

            Já as ciências biológicas e a medicina serão um terreno fértil para a realização das promessas feitas pela tecnociência, através do aprimoramento humano (human enhancement). Os entusiastas do aprimoramento humano têm como objetivo superar os limites do corpo, considerando que estes limites foram “impostos” pela natureza, utilizando para a superação desta imposição métodos naturais ou artificiais, porém, na maioria dos casos o método artificial, por intermédio do uso da tecnologia.

 

A partir do avanço contínuo da ciência e da tecnologia, as pessoas estão percebendo que algum dos parâmetros básicos da condição humana podem ser alterados no futuro. Uma maneira importante pela qual a condição humana pode ser alterada é através do aprimoramento das capacidades humanas básicas[6] (Tradução nossa, BOSTROM & ROACHE, 2008, p. 120).

 

            Com o surgimento da engenharia genética na década de 1970, surgem uma série de procedimentos. Chamamos a atenção para a edição de genes CRISPR, desenvolvida pelas cientistas Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier[7].

            O método de edição de genes CRISPR é uma técnica usada pela engenharia genética que tem como objetivo alterar os genomas dos organismos vivos (in vivo). Este método é baseado na versão simplificada do sistema de defesa antiviral CRISPR-Cas9 bacteriano, na qual ao entregar a nuclease Cas9 complexado com um RNA guia sintético (gRNA) em uma célula, o genoma desta célula pode ser cortado no local desejado, desta maneira o gene pode ser corrigido, adicionado e removido (CRISPR THERAPEUTICS, 2022).

            Como havíamos dito, é no campo das ciências biológicas e da vida em que as tecnociências proliferam, com cada vez mais com sucesso (consequentemente, o investimento de verbas é direcionado cada vez mais para essas áreas). É inegável que os métodos usados pela engenharia genética sejam benéficos para a sociedade. Seja para fins estéticos, para fins terapêuticos e para a eliminação de alguma anomalia genética.

            A partir da descoberta do DNA (1953) e o sucesso do mapeamento do genoma humano (1990-2003) e com as tecnologias apropriadas, nos dias de hoje já é possível alterar uma vida ainda em fase embrionária através do diagnóstico de pré-implantação (DGPI) (AYMORÉ, 2005, p. 1).

O DGPI é um método de diagnóstico pré-natal, isto é, uma técnica utilizada pela medicina para fornecer informações genéticas sobre o embrião ainda em formação, no caso, um embrião de oito células, sendo possível diagnosticar se este embrião possui alguma das anomalias genéticas conhecidas, ou seja, a partir desta informação, caberia aos pais decidirem sobre a criança ainda em desenvolvimento.

 

A princípio esta técnica está à disposição de pais que tem o receio fundado de que seus filhos herdem doenças genéticas, de modo que a análise do embrião permite que seus pais possam escolher se querem que seus filhos se desenvolvam mesmo sendo portadores de tais doenças ou se o melhor seria não permitir que aquele embrião seja reimplantado no útero materno (AYMORÉ, 2005, p. 1).

 

            Deste modo, percebemos que cada vez mais tanto as tecnociências e a biotecnologias estão presentes na vida da sociedade contemporânea, esta interação provoca certas repercussões, Aymoré destaca:

 

Fruto da união dos avanços da medicina reprodutiva e da técnica genética surge o DGPI ou método de diagnóstico genético de pré-implantação, processo este que permite o exame genético de embriões humanos, que, em princípio, é útil para pais que querem evitar doenças hereditárias, que, uma vez constatadas, podem fazer com que o embrião não volte a ser reimplantado no útero materno. O DGPI traz consigo a expectativa de que, em pouco tempo, será possível intervir amplamente no genótipo de embriões, escolhido por critérios que podem ser tantos quantos os pais possam imaginar e querer para seus filhos (AYMORÉ, 2005, p. 5).

 

Continuando o raciocínio proposto por Aymoré, percebemos que mesmo levando em consideração os benefícios do DGPI ou de um outro método da engenharia genética, junto com o aprimoramento humano ressurgem receios em relação à eugenia. A partir de uma interpretação habermasiana, a filósofa nos chama atenção para os problemas éticos, em especial, da eugenia liberal. Se partimos do pressuposto que os pais da futura criança apresentem a liberdade de escolha de alterar geneticamente em nome da boa saúde, de ser saudável, seria mantida a liberdade de escolha dos indivíduos ainda em formação? Quais seriam as consequências de aceitarmos irrefletidamente sobre os impactos do aprimoramento humano na sociedade? (cf. AYMORÉ, 2005, p. 5-7).

Além dos problemas práticos mencionados, Nick Bostrom e Rebecca Roache (2008) chamam a atenção para o problema do conceito de “aprimoramento humano”. Segundo os filósofos não há uma definição precisa sobre este conceito, assim como não há uma distinção clara sobre o que é aprimoramento humano e terapia. A seguir, destacamos alguns tópicos levados em consideração pelos filósofos.

 

Primeiro, observamos que a dicotomia terapia/melhoria não demarca nenhuma dicotomia correspondente entre a medicina contemporânea padrão e a medicina que pode ser praticada no futuro. A medicina contemporânea padrão não inclui práticas de curar doenças ou lesões. Entretanto, inclui práticas de prevenção, a de cuidados paliativos, de obstetrícia, de medicina esportiva, de cirurgia plástica, a de dispositivos anticoncepcionais, a de tratamento de fertilidade, a de procedimentos odontológicos estéticos e muito mais. Ao mesmo tempo, algumas intervenções de aprimoramento ocorrem fora do espaço médico. O trabalhador de escritório melhora o seu desempenho tomando café. Maquiagem e outros cuidados são usados para fins estéticos. Exercício físico, meditação, óleo de peixe e Erva de São João são usados para usar melhorar o humor. Segundo, não está claro como classificar as intervenções que reduzem a probabilidade de doença e morte. A vacinação pode ser vista como um reforço do sistema imunitário ou, alternativamente, como uma intervenção terapêutica preventiva. Da mesma forma, uma intervenção para retardar o processo de envelhecimento pode ser considerada como uma melhoria do tempo de saúde ou como uma intervenção terapêutica preventiva que reduz o risco de doenças e incapacidades[8] (Tradução nossa, BOSTROM & ROACHE, 2008, p. 120).     

 

Com o avanço das tecnociências, das biotecnologias e suas aplicações é necessário que haja algum meio que reflita, que conduza os dilemas causados por estes artefatos em nome do progresso da sociedade, para tal; áreas como a do direito/biodireito, da bioengenharia, da filosofia da tecnologia, a bioética e políticas públicas se debruçarem sobre tais problemáticas.

 

Ética ou bioética?

 

O controle biológico do homem, especialmente o controle genético, levanta questões éticas de um tipo totalmente novo, para as quais nem a práxis anterior nem o pensamento precedente nos preparou.

                                                                 Hans Jonas

 

            Assim como Celso Azambuja, partimos do pressuposto de que o mundo contemporâneo é habitado por uma sociedade tecnocientífica (cf. AZAMBUJA, 2013, p. 324). Deste modo, como nos períodos históricos do passado, a contemporaneidade enfrenta os seus próprios dilemas.

 

O indivíduo contemporaneamente não apenas tem grande liberdade e poder de ação - ampliado e transformado mediante o incremento técnico e científico - mas encontra-se também diante de dilemas e responsabilidades sensivelmente maiores do que jamais teve antes. No limite, pode-se dizer que a própria natureza da ação humana foi transformada, na medida em que praticamente todas as ações dos indivíduos são agora tecnicamente mediadas e se adaptam necessariamente aos desenvolvimentos tecnocientíficos. Faz tempo que não habitamos mais um mundo natural e que não vivemos mais em aldeias encravadas em algum lugar no solo terrestre. Habitamos um mundo totalmente artificial, desde o que comemos e vestimos até aquilo que pensamos, sentimos e desejamos. A natureza, a partir da ciência e da técnica modernas, foi incorporada ao projeto de expansão da humanidade (AZAMBUJA, 2013, p. 325-326).

 

            Ao refletir sobre uma sociedade tecnocientífica, Azambuja, chama atenção para repensarmos a partir de uma nova perspectiva ética, a da bioética[9], mais especificamente a partir de uma bioética da responsabilidade.

            Segundo Azambuja, a ética proposta pelos filósofos, sobretudo a ética kantiana não é o suficiente para refletirmos sobre o estágio em que a sociedade tecnocientífica se encontra. Para o autor, é necessário que pensemos a ética a partir da tecnologia[10], para isso a ética proposta por Hans Jonas seria o ponto de partida fundamental. Neste sentido, o princípio da responsabilidade[11] proposto por Jonas tem como objetivo dar conta sobre os dilemas da contemporaneidade.

 

Hans Jonas procura construir uma ética para além do humano em sua autorreferência no presente. Outrora era possível uma ética estritamente humana, cujos efeitos de sua ação não transcendiam os limites do próprio humano. A cidade estava circunscrita nos limites da natureza, quer dizer, ocupava um lugar na natureza. Hoje a situação é totalmente outra. A cidade domina a natureza, utiliza-a, espolia-a, transforma-a para o viver humano. A sociedade tecnológica global incorporou a natureza aos seus desígnios. Isso chegou a um limite e, apenas uma ética da responsabilidade poderia nos salvar de nossa própria autodestruição (AZAMBUJA, 2013, p. 335-336).

 

 

Mas, o que é bioética da responsabilidade? Ainda que seja uma teoria em formulação, Flaviano Oliveira Fonsêca (2009) apresenta uma definição inicial:

 

A bioética que defendemos tem seu fundamento precípuo na ideia de responsabilidade como princípio e como sentimento. Como princípio, ela se nutre do poder tornado dever em obediência à máxima: se podes então deves - um poder que se converte em dever-fazer- e se configura numa atitude antecipatória (agir antecipado) de cuidado pelo vulnerável e pelo frágil. Como temos afirmado, enquanto fundada na dimensão de sentimento - como algo ontológico - a bioética da responsabilidade está

baseada no amor aos filhos, e tal sentimento foi colocado em nós pela própria natureza, como um verdadeiro arquétipo do qual podemos nos valer, despertando-o na convivência, na solidariedade, por exemplo. Assim sendo, a Bioética em favor da qual argumentamos se constrói calcada na radicalidade e na alteridade da existência humana, em constante devir, e na confluência da interdependência intra e intergeracional (FONSÊCA, 2009, p. 155).

 

Ainda que seja tomada como uma definição provisória, a bioética da responsabilidade mantém certos aspectos que são fundamentais para enfrentar os dilemas da contemporaneidade.

A bioética da responsabilidade não condena o progresso tecnocientífico, biotecnológico; entretanto, a bioética da responsabilidade tem como prioridade conservar a vida como ela é, ou seja, a vida é um fenômeno natural, segundo este raciocínio, se o homo sapiens acelerar o seu processo evolutivo, as consequências serão catastróficas, pois condena não apenas a espécie humana, mas todos os organismos que coabitam em Gaia.

Tendo compreendido o que é a bioética da responsabilidade, gostaríamos de chamar a atenção para o seu ineditismo, que é o próprio uso da palavra responsabilidade. No seu uso coloquial, pode ser compreendida como “O de lidar ou cuidar de algo/alguém, para que alguém possa ser culpado se algo der errado[12]” (Tradução nossa, OXFORD DICTIONARIES, 2023). A partir desta definição de responsabilidade compreendemos está intrinsicamente vinculado ao dever, comumente a um dever individual, a bioética da responsabilidade propõem uma responsabilidade em nível global.

A bioética da responsabilidade proposta por Hans Jonas chama atenção para a interação de certos agentes, os cientistas, os bioengenheiros, o Estado, a sociedade e o biodireito (cf. KREPSKY, 2016, p. 162-163). Deste modo, compreendemos cada vez mais que a sociedade tecnocientífica é uma sociedade complexa, cuja interação indica a necessidade de considerações sobre a bioética e o biodireito.

 

Relações entre o biodireito e a bioética

 

Assim como a bioética, o biodireito surge a partir da necessidade das reformulações de certas áreas do conhecimento para dar conta das complexidades existentes na sociedade contemporânea. Segundo Giselle Marie Krepsky:

 

O biodireito nasce e se desenvolve não somente como uma resposta regulatória da conduta humana em forma de aportes teóricos, doutrinários, legislativos e jurisprudenciais que se pretendiam adequados aos novos desafios que se apresentavam, mas, sobretudo, como decorrência e desdobramento lógico dos dilemas gerados pelas novas fronteiras exploradas pela bioética, sua principal fonte motriz (KREPSKY, 2016, p. 159).

 

Embora seja um campo de estudo jovem, o biodireito em conjunto com a bioética tem estabelecidos alguns parâmetros, limites para a aplicabilidade da tecnociência e da biotecnologia. Ao se mostrar inspirado pelo princípio da responsabilidade de Jonas e até mesmo pelas reflexões propostas por Jürgen Habermas e Michael Sandel, o biodireito tem sido fundamental para a constituição de comitês de bioética pelo mundo, e por levar em considerações problemas sociais como a de desigualdade social e questões de cunho político como a da eugenia positiva (cf. KREPSKY, 2016, p. 156-157).

Para Krepsky, um diálogo proveitoso entre a bioética e o biodireito ocorreria, justamente, através da noção de responsabilidade jonasiana.

 

Assim, vale ponderar a necessidade de se recuperar a noção de responsabilidade situando-a em definitivo no espaço da moralidade, criando com isso condições para uma reformulação da teoria da responsabilidade com os aportes e contribuições da teoria da justiça, da teoria moral e da teoria do direito (KREPSKY, 2016, p. 160).

 

Através da interpretação jonasiana sobre o conceito de responsabilidade fica mais claro ainda a interação entre a bioética e o biodireito; consequentemente, na condução da sua aplicação no âmbito jurídico.

 

Esta noção deve se desenvolver em uma dimensão social e política objetiva - inserida por isso no contexto da sociedade - que compreenda o conceito de Estado Democrático de Direito, no qual esta nova teoria da responsabilidade estabeleça sua legitimação moral, ética e jurídica em um ambiente de complementaridade em que estão inseridos, igualmente, a bioética e o biodireito (BARRETO, 2013 apud KREPSKY, 2016, p. 160).

 

Tanto a teoria bioética, quanto a teoria do biodireito de Jonas têm como objetivo de preservar o homo sapiens, Jonas advoga pela cautela para o próximo passo da evolução da espécie, o homo faber. Enquanto a sociedade tecnocientífica não enfrentar os seus próximos problemas, tanto a vida (bios) quanto a própria promessa do aprimoramento humano (human enhacement) estão fadadas ao fracasso e, até mesmo, parecem conduzir para a possibilidade da catástrofe: extinção da espécie.

 

Conclusão  

 

Ao longo deste ensaio apresentamos uma introdução modesta sobre os impactos da tecnociência e biotecnologia na sociedade contemporânea. Para tal apresentamos uma bibliografia recente em torno do debate do conceito de “tecnociência”, seja sobre o surgimento do conceito, seja sobre os seus impactos nos demais campos das ciências e na sociedade.

Também foi apresentado uma das promessas mais sedutora e proeminente proposto pela tecnociência e a biotecnologia que é o aprimoramento humano. O aprimoramento humano surge com a promessa de ser o próximo passo (r)evolucionário para a espécie humana, isto é, o aprimoramento humano reacende o velho desejo do homem de ser imortal, não se importando seriamente com as consequências deste desejo, uma vez que o mesmo fosse satisfeito.

Embora o aprimoramento humano apresente a promessa de erradicar anomalias genéticas através de métodos usados pela engenharia genética e de doenças como o Alzheimer, câncer e o Parkinson, de algum novo método cirúrgico ainda não criada ou mesmo aprovado. A partir disso, surgem algumas questões: seria mantida a liberdade de escolha do indivíduo que fora objeto de manipulação genética? Os pais que exercitam a escolha sobre o indivíduo que ainda está sendo gerado? Estão cientes das implicações desta escolha?

A partir destes exemplos aparentemente isolados, percebemos que surgem questões mais complexas como a de qual é a papel do Estado em uma sociedade tecnocientífica, quais são os limites da escolha individual, quando o Estado deve intervir em alguma situação com estas proporções.

            Com a consolidação de uma sociedade tecnocientífica, é fundamental que áreas como a do biodireito, a da bioética, a da bioengenharia, a das tecnociências e biomedicina dialoguem, pois além de afetar diretamente a vida humana, outras vidas (inumanos e a própria Gaia) também são afetados.

            O próximo passo evolutivo da espécie humana parece ser incontornável e inevitável, além, é claro, de influenciado pelas tecnologias; no entanto, cabe ao humano a escolha de como dar o próximo passo para evolução, seja através do fomento e da interação entre comissões de bioética e as políticas públicas, bem como as demais instituições e a própria sociedade. Desta maneira contribuindo para a conscientização de uma ética da responsabilidade, que se projeta para as gerações futuras.

           

Referências

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007.

AYMORÉ, Débora. Dignidade da pessoa e a eugenia liberal, p. 1-13, 2005.  Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/039.pdf. Acessado em 27 de dezembro de 2022.

                       . “Tecnociências: as vertigens na experiência e no experimento.” Cadernos PET Filosofia, v. 21, n. 1, p. 320-339, 2022. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/petfilo/article/view/83147. Acessado em 27 de dezembro de 2022.

AZAMBUJA, Celso Candido de. “Ética e tecnociência.” Revista de filosofia Aurora, v. 25, n. 35, p. 323-340, 2013. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/aurora/article/view/796. Acessado em 28 de dezembro de 2022.  

BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. As vertigens da tecnociência. Moldar o mundo átomo por átomo. Tradução de José Luiz Cazarotto. São Paulo: Ed. Ideias & Letras, 2013.

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[1]Advertimos que neste ensaio os conceitos “técnica” e “tecnologia” são tidos como sinônimos. Por

questão de espaço não iremos adentrar no debate em torno destes conceitos. Para os interessados neste debate indicamos GOULART (2017) e OLIVEIRA (2008).

[2] Knowledge about the structure and behaviour of the natural and physical world, based on facts that you can prove, for example by experiments.

[3] I myself began to use the word in the middle of the 1970s.7 I employed it in the title of an article as early as 1978: “Ethique et Techno-Science,” published in La pensée et les hommes, a Belgian journal on philosophy and “secular ethics” (Hottois 1978). The title is significant, because it suggests that if science is technoscience, it inevitably raises practical questions. However at that time I hardly addressed question of that order. By the term “technoscience” I wanted to designate what I consideres to be the core of a problem that the dominant philosophies of the period seemed to positively wish to avoid... My dissatisfaction also concerned those philosophies of science which only conceived the scientific enterprise as theoretical and discursive. The term “technoscience” aimed at emphasizing the operational dimensions – technological and mathematical – of contemporary science.

[4] O debate entre tecnofóbicos e tecnofílicos é mais visível no debate transhumanista/pós-humanista, ver KEOMA (2018) e TOLRRABA (2018).

[5] Tanto Aymoré (2022), quanto Bensaude-Vincent (2013) chamam atenção para a nanociência e a nanotecnologia; além disso, ao analisarmos o documento do programa de convergência NBIC, percebemos que os estudos sobre a escala micro e nano são fundamentais. Ressalta-se ainda que filósofos como Nick Bostrom e Julian Savulescu, chamam a atenção para a importância do debate sobre o aprimoramento humano quando discutimos tecnologia e sociedade, o que leva à necessidade desta discussão nas diversas áreas do saber, como a bioética, a biomedicina, a bioengenharia, o biodireito, (cf. BOSTROM & SAVULESCO, 2009)

[6] With continuing advances in science and technology, people are beginning to realize that some of the basic parameters of the human condition might be changed in the future. One important way in which the human condition could be changed is through the enhancement of basic human capacities.

[7] Para uma compreensão mais aprofundada sobre o método CRISPR e a sua interação com a engenharia genética, recomendamos a leitura de HSU, Patrick et al. (2013).

[8] First, we may note that the therapy-enhancement dichotomy does not map onto any corresponding dichotomy between standard-contemporary-medicine and medicine-as-it-could-be-practised-in-the-future. Standard contemporary medicine includes many practices that do not aim to cure diseases or injuries. It includes, for example, preventive medicine, palliative care, obstetrics, sports medicine, plastic surgery, contraceptive devices, fertility treatments, cosmetic dental procedures, and much else. At the same time, many enhancement interventions occur outside of the medical framework. Office workers enhance their performance by drinking coffee. Make-up and grooming are used to enhance appearance. Exercise, meditation, fish oil, and St John’s Wort are used to enhance mood. Second, it is unclear how to classify interventions that reduce the probability of disease and death. Vaccination can be seen as an immune system enhancement or, alternatively, as a preventative therapeutic intervention. Similarly, an intervention to slow

the aging process could be regarded either as an enhancement of healthspan or as a preventative therapeutic intervention that reduces the risk of illness and disability.

[9] Neste momento não iremos adentrar numa definição precisa do que é bioética, entretanto, é necessário que tenhamos um ponto de partida. Em poucas palavras a bioética pode ser compreendida como uma repercussão da intervenção da tecnociência em áreas como a medicina, a biomedicina, os problemas tratados pela bioética estão diretamente ligados a manipulação genética. Desta maneira a bioética tem como objetivo tratar de maneira objetiva e cautelosa de como manter a preservação da vida animal, vegetal, humana e da própria Gaia (HOTTOIS, 1991, p. 169-170).

[10] Ressaltamos que as reflexões de Hans Jonas sobre a tecnologia possuem alguns contextos que devem ser levados em consideração: Jonas testemunhou as duas grandes guerras mundiais, voluntariou-se ao exército britânico para combater o exército nazista, além disso, testemunhou a criação e o lançamento da bomba atômica nas ilhas nipônicas. A partir desta contextualização, compreendemos o pessimismo que o filósofo possui em relação ao programa baconiano.

O perigo decorre da dimensão excessiva da civilização técnico-industrial, baseada nas ciências naturais. O que chamamos de programa baconiano – ou seja, colocar o saber a serviço da dominação da natureza e utilizá-la para melhorar a sorte da humanidade (...) A ameaça de catástrofe do ideal baconiano de dominação da natureza por meio da técnica reside, portanto, na magnitude do seu êxito. Esse êxito tem duplo aspecto: econômico e biológico. A inter-relação de ambos, que conduz necessariamente à crise, hoje é patente (JONAS, 2006, p. 235).

[11] Em resumo o princípio/ética da responsabilidade sistematizado por Jonas chama atenção para o discurso do progresso da engenharia genética, segundo a intepretação dos filósofos Lewis Coyne e Michael Hauskeller (2020), o discurso progressivista do aprimoramento humano (transumanismo e pós-humanismo) não levam em consideração a condição humana (Jonas chama de vida humana genuína) e nem a dignidade humana. Ao não levar tais categorias em consideração, tanto o princípio, quanto a bioética da responsabilidade são fundamentais para reformularmos os valores morais que regem a sociedade tecnocientífica (COYNE & HAUSKELLER, 2020, p. 171-176).

[12] A duty to deal with or take care of somebody/something, so that you may be blamed if something goes wrong.

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