Magia! Não os truques ilusionistas do Ocidente, mulheres serradas ao meio e coelhos na cartola. Não o espetáculo vulgar da ioga oriental, do caminhar sobre o carvão em brasa, alegando iluminação*.
O que é ciência? O que é magia? Quais sãos as suas respectivas convergências e divergências?
Neste pequeno ensaio partiremos do pressuposto que tanto a ciência quanto a magia estão em pé de igualdade, isto é, ambas serão consideradas como área de conhecimento. Assim como no campo das ciências existem os intelectuais desonestos e os sofistas, no campo da magia existem os charlatões.
Mesmo aceitando que a ciência e a magia são áreas do conhecimento não estamos afirmando e estimulando o relativismo, ao contrário, partimos do pressuposto ambas as áreas coexistem e contribui para a ampliar a compreensão sobre a realidade ontológica do mundo.
Dando continuidade deste ponto de vista, é possível mencionar alguns personagens relevantes das histórias em quadrinhos que ao mesmo tempo são cientistas e magos, são eles Doutor Estranho/Stephen Strange, um médico que tornou-se o mago supremo (Marvel Comics), Doutor Destino/Victor Von Doom, cientista e ocultista, tão poderoso quanto o próprio Doutor Estranho (Marvel Comics).
Para dar continuidade ao texto é importante apresentar a definição* de magia:
Magia: As questões filosóficas levantadas pela prática da magia e da bruxaria em muitas culturas dizem a respeito à natureza da interpretação. A interpretação mais simples das práticas mágicas diz que se trata de má ciência: representam tentativas para controlar acontecimentos por meios inadequados. Só uma "mentalidade primitiva", inferior ao pensamento científico ocidental, poderia ignorar essa inadequação (Ver Levy-Bruhl). O problema é que se uma interpretação de uma prática tem de supor uma irracionalidade generalizada, ela vai de encontro ao princípio de humanidade e torna necessária uma compreensão menos preconceituosa e com mais empatia. Uma alternativa, de que E.E. Evans-Prichard foi pioneiro em Witchcraft,Oracles and Magic among the Azande (1937), destaca a função da crença na magia como base na ordem social, diluindo as tensões e as agressões e servindo como válvula de escape para a inveja e o ciúme. A magia, tal como outras práticas religiosas, passa a ser vista como não racional, em vez de irracional, e com a função social simbólica. O próprio Evans-Pritchard acreditava que os azande explicavam os acontecimentos em dois níveis distintos, um que estava de acordo com as normas ocidentais da razão e outro que não estava; mantém-se assim em aberto a questão de saber se este segundo nível implica a irracionalidade.
Deste modo, é válido considerar a magia como uma forma de conhecimento ancestral, ou seja, o conceito de magia pode ser interpretada de duas formas: I) teoria do conhecimento ancestral; II) ontologia ancestral. Ambas as categorias contribuem para a compreensão sobre as mais diversas cosmovisões existentes em nossa realidade.
Sendo assim, retomamos a questão: o que é ciência? Uma possível resposta é dizer que a ciência, isto é, o modo que se fazemos ciência são baseados em um conjunto de crenças que são consideradas como verdadeiras tanto pela comunidade científica quanto pelo senso comum. Fazer ciência também é considerado como uma atitude racional, isto é, para fazer ciência é necessário o uso da razão, ou seja, o conhecimento científico exclui qualquer resquício místico/metafísico. Pensadores como Imannuel Kant em seu livro mais conhecido Crítica da Razão Pura é notório por tecer criticar a metafísica tradicional/dogmática. Já na contemporaneidade, isto é, em meados do séc. XX, um grupo de filósofos conhecidos como o Círculo de Viena também se recusavam a refletir sobre questões metafísicas, esse grupo de pensadores dedicavam-se ao positivismo lógico***. O filósofo alemão Rudolf Carnap, também integrante do Círculo de Viena, foi um grande oponente para a metafísica.****
Entretanto, ainda no séc. XX, enquanto o Círculo de Viena exercia influência no pensamento científico e filosófico, o filósofo austríaco Paul Feyerabend através de seu livro Contra o Método "debocha" do conhecimento científico, consequentemente, do conhecimento filosófico-científico.
Segundo Feyerabend, apenas o conhecimento científico não é o suficiente para compreender e interpretar o mundo. Feyerabend compreende que o conhecimento ancestral, isto é, magia, em determinado momento é mais eficiente do que a própria ciência, o filósofo menciona o seu caso em particular, a eficiência da acupuntura. Se olharmos para o passado, isto é, o período em que ocorria a inquisição, ou melhor, caça às bruxas, muitas das mulheres acusadas de bruxaria detinha o conhecimento medicinal de algumas plantas, ao ser o oposto que era promovido pela medicina convencional de sua época, eram acusadas de bruxaria, consequentemente eram assassinadas brutalmente, na maioria dos casos, tais assassinados eram em nome da fé.
Mesmo na contemporaneidade com a (r)existência de comunidades originárias, com muita dificuldade o conhecimento ancestral é mantido, personalidades como Ailton Krenak e Davi Kopenawa e a filosofia ubuntu tem mostrado para o Ocidente que a razão e o progresso cientifico não é apenas danoso as criaturas vivas e não-vivas existente nesta realidade, mas também para o planeta, ou seja, o discurso sobre o progresso e o uso da razão difundido pelo iluminismo e perdurou até a contemporaneidade é um discurso perigoso, pois contribui para a legitimidade de um modo de colonizar, além disso contribui para a aceleração da autodestruição das cosmovisões existentes.
Deste modo, concluímos que há possibilidade de uma coexistência entre a ciência e a magia como áreas do conhecimento, consequentemente, novas interpretações, percepções e meios de vida surgem.
*Narrador. Dan Green & J. M. DeMatteis. Doutor Estranho: Shamballa.
** Verbete do Dicionário Oxford de Filosofia, ed. Zahar.
Para assistir:
Para ler:
Claudemir Roque Tossato. O Conhecimento científico.
Dan Green & J. M. DeMatteis. Doutor Estranho: Shamballa.
Davi Kopenawa & Bruce Albert. A queda do céu: Palavras de um xamã Yanomami.
Denny O'Neil & Stan Lee. Doutor Estranho: Uma Terra sem nome, Um Tempo sem fim.
Eduardo Viveiros de Castro. Encontros.
E.E. Evans-Pritchard. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande.
Paul Feyerabend. A Ciência em uma Sociedade Livre.
Paul Feyerabend. Contra o Método.
Roger Stern & Mike Mignola. Doutor Estranho e Doutor Destino - Triunfo e Tormento.
Wolverine #38 (1995). Na Terra do Pesadelo.
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