terça-feira, 21 de julho de 2020

Superman e Übermensch

Existe alguma relação entre o super-homem da DC Comics com o super-homem proposto por Nietzsche? De um lado temos um dos maiores ícones da cultura pop e de outro um filósofo pop, entretanto, tentar traçar uma relação entre o personagem das HQs com o personagem do filósofo é equivocado, mas nada impede tomar como ponto de partida este tópico e expor as divergências destes personagens ou até mesmo servir como pretexto para conhecer um pouco da filosofia nietzschiana.
O personagem super-homem, criado pelos jovens Jerry Siegel e Joe Shuster na revista Action Comics nry 01, junho de 1938, é considerado um marco nas histórias em quadrinhos estadunidense, é o primeiro quadrinho de super-herói, ou seja, o super-homem é o primeiro super-herói dos quadrinhos, deste modo, inaugurando a Era de Ouro dos quadrinhos. O personagem criado pela dupla é uma tentativa de entreter o leitor, isto é, fazer o leitor esquecer da crise financeira na qual a população estadunidense se encontrava, além das sequelas da crise de 29, a probabilidade dos EUA de participar na guerra na Europa vinha aumentando.
O super-homem surge como o ultimo sobrevivente de seu planeta (Krypton), ao ser encontrado pelo casal Kent, o alienígena, aparentemente semelhante a um humano, é criado com os preceitos humanos, isto é, o jovem Clark Kent é influenciado pelos ensinamentos morais de seus pais, com o passar do tempo, o garoto descobre haver habilidades sobre-humanas e decide usar elas em prol da humanidade, desse modo, o filho de Krypton se torna o guardião da Terra, o defensor dos fracos e oprimidos.
Mesmo sendo um alienígena, o super-homem é influenciado pelas características humanas, ou seja, o filho de Krypton pode ser considerado um aristotélico. Mesmo possuindo habilidades sobre-humanas, quase divina, Superman não é egoísta, seu objetivo é proteger a humanidade, além disso, incentiva a humanidade a fazerem o bem sem esperar nada em troca, ou seja, Superman é altruísta. 
Deste modo, chegamos na conclusão que o super-homem das HQs diverge com o super-homem de Nietzsche.
Übermensch de Nietzsche, pode ser traduzido como super-homem ou além-do-homem, devido a essa dualidade na tradução é compreensível haver uma alusão/confusão entre os dois super-homem, a dos quadrinhos e a do bigodudo. 
O Übermensch não corresponde a moralidade imposta pelo cristianismo, ou seja,  para o além-do-homem não faz sentido se prender a ética cristã, de algum modo, o personagem de Nietzsche superou o cristianismo. A partir desta brevíssima apresentação sobre o super-homem de Nietzsche, percebemos que super-homem proposto pelo filósofo alemão é uma critica a ética e a metafísica cristã, enquanto o super-homem de Joe Shuster e Jerry Siegel, mesmo sendo judeus, enaltece a ética cristã e também contribui para uma idealização de um ser benevolente, isto é, um ser divino, com as mesmas qualidades de Deus, em varias ocasiões, principalmente no filme Superman: O Retorno (2006), o personagem é retratado como uma alusão cristianismo, isto é, o kryptoniano se sacrifica para salvar a humanidade, ou seja, enquanto o Übermensch superou o cristianismo, Kal-El pode ser interpretado como uma alusão ao cristianismo.
Embora devido a nomenclatura dos personagens serem semelhantes, existe uma divergência filosófica, isto é,  mesmo possuindo nomenclaturas semelhantes, a filosofia que ambos representam convergem em seus desdobramentos, entretanto, ambos servem para introduzir-se a filosofia. 

Para assistir:


Para ler:

Gelson Weschenfelder: Filosofando com os super-heróis.
William Irwin (org.). Superman e a filosofia.
 

domingo, 5 de julho de 2020

O determinismo é pop

O que faz o determinismo ser tão instigante?  Produções de entretenimento como Dark (2017-2020), Exterminador do Futuro (1984), Matrix (1999) e Os 12 Macacos (1995) de algum modo instiga o espectador a refletir sobre o determinismo. O que faz o determinismo, um conceito filosófico, ser tão abordado na literatura da ficção científica? Seria o livre-arbítrio uma ilusão social e tudo já está determinado?
Constantemente o conceito de determinismo é mencionado por diferentes áreas do conhecimento como filosofia, física e teologia.Mas ao falarmos sobre determinismo, outros conceitos surgem, são eles: livre-arbítrio e tempo. Neste momento recorreremos a definição destes conceitos*.

Determinismo: Doutrina segundo qual tudo que acontece tem uma causa. A explicação habitual dessa ideia consiste em defender que, para qualquer acontecimento, existe um estado anterior relacionado a ele de tal maneira que não poderia (sem violar uma lei da natureza) existir, sem que existisse o acontecimento.
Livre-arbítrio:  O problema consiste em reconciliar a consciência cotidiana de nós mesmos como agentes, com a melhor teoria que a ciência oferece sobre nós.
Tempo: A natureza do tempo tem sido um dos maiores problemas filosóficos  desde a Antiguidade. Concebemos bem o tempo quando o concebemos como um fluxo? Se é esse o caso, o tempo flui do futuro para o passado, mantendo-nos como barcos presos no meio de um rio? Ou flui do passado para o futuro, transportando-nos com ele?
No passado, filósofos como Espinosa, Leibniz, Pierre -Simon Laplace e Santo Agostinho foram cruciais para o debate sobre os conceitos mencionados. Na contemporaneidade, influenciados ou não por estes pensadores, filósofos e físicos como Albert Einstein, Daniel Dennett, John Searle, Michio Kaku, Sam Harris  e Sean Carroll contribuem para os estudos e o debate. Mesmo com o avanço científico/tecnológico não há um consenso sobre o determinismo e o livre-arbítrio, ou seja, é possível que a humanidade se sobressaia perante o determinismo e consiga legitimar que há livre-arbítrio ou seria o livre-arbítrio uma armadilha do determinismo?
Tanto na graphic novel, na adaptação cinematográfica e de certa maneira, na minissérie televisiva Watchmen, o personagem Dr. Manhattan nos faz refletir sobre o livre-arbítrio ser uma ilusão, nem mesmo um ser quase divino como o Dr. Manhattan pode fugir ou alterar o que já está determinado.

Dr. Manhattan: A minha percepção de tempo a incomoda?
Laurie: Pra que a pergunta? Você já sabe a resposta. É tão absurdo. Quando eu te larguei... E a NOVA  EXPRESS fez as denuncias, você ficou surpreso. Por que... se já sabia que ia acontecer?
Dr. Manhattan: Tudo é predeterminado. Até as minhas reações.
Laurie: E você só segue a partitura, executando as notas? Então isso é você? O ser mai poderoso do universo e não passa de uma marionete seguindo um roteiro?
Dr. Manhattan: Todos nós somos, Laurie. Eu apenas sou uma marionete que vê as cordas**.

Mesmo que o livre-arbítrio seja um conceito atrelado a  metafísica, há implicações diretas na vida cotidiana da sociedade, tal implicação pode ser vista na política e na ética, a liberdade de escolhas do indivíduo desencadeia uma série de eventos que ira repercutir em pequenos grupos ou perante a sociedade como um todo.   
Sendo assim, podemos concluir que um conceito tão abstrato, amplo e complexo pode acarretar diretamente em nossas vidas, mesmo parecendo algo tão obscuro. A reflexão sobre o determinismo pode ser encontrado em diversos veículos da cultura pop e no debate científico/filosófico, na qual pode render horas de provocações.

*Os verbetes mencionados são trechos que são facilmente encontrados no Dicionário Oxford de filosofia.
** Trecho do diálogo de Watchmen, ed. n 09.

Para Assistir (filmes e séries):

Dark, 2017-2020.
Exterminador do futuro, 1984.
Exterminador do futuro 2, 1991.
Exterminador do futuro: As Cronicas de Sarah Connor, 2008-2009.
Matrix, 1999.
Matrix Reload, 2003.
Lost, 2004-2010.
Os 12 Macacos, 1995.
Os Agentes do Destino, 2011.

Para assistir (youtube):


Para ler: