terça-feira, 26 de maio de 2020

Podem zumbis pensar?

O que nos faz "superior" dos demais animais, criaturas ou objetos? A resposta mais sensata para tal questão é por que dotamos de racionalidade, isto é, pensarmos. A celebre frase de René Descartes: "Penso, logo existo"* é fundamental para compreendermos a filosofia moderna e a exaltação a racionalidade.
Se tomarmos como verdadeiro a frase de Descartes, podemos afirmar que um zumbi não é racional, pois além de ser um morto-vivo, uma criatura que não possui alma, também não é racional. Entretanto, o roteirista de quadrinhos estadunidense  Robert Kirkman e o filósofo australiano David Chalmers subvertem o estereótipo de zumbi. A partir desta desconstrução da imagem de zumbi (imagem consolidada através da cultura pop), de algum modo contribui para o debate sobre a consciência, um debate tão complexo e interessante para os campo da ciência, filosofia da mente e neurociência . 
Na minissérie de Kirkman, Zumbis Marvel, em uma realidade alternativa, em uma Planeta Terra semelhante ao nosso, porém existe uma fato peculiar nesta realidade, não existem humanos, apenas zumbis, para ser mais específico super-zumbis, de algum modo embaraçoso, todos os personagens conhecidos da Marvel transformam-se em zumbis (super-heróis e supervilões). Diferente dos heróis e vilões, os humanos não se transforma em zumbis, eles apenas são alimentos para os zumbis.
Entretanto, estes zumbis não apenas comedores de cérebros, de algum modo eles ainda possuem resquícios de consciência, isto é, mesmo sendo zumbis, eles podem raciocinar. Quando estão satisfeitos, os zumbis interagem entre si. Com a quase extinção de humanos, os zumbis começam a formular estratégias de como obterem alimentos para sobreviverem. Deste modo, o Quarteto Fantástico zumbi decide interagir com as demais realidades alternativas, ou seja, através de projeção holográfica, o  Reed Richards zumbi interage e manipula o Reed Richard de outra realidade (Ultimato) e convence este último a criar uma máquina de viagem interdimensional, ou seja, é possível viajar para as demais realidades. Com a conclusão da máquina, o Reed humano vai para a realidade do Reed zumbi, deste modo o personagem  percebe que foi enganado e corre perigo. 
Ainda no universo zumbi, de modo surpreendente as versões zumbis do Gigante, Homem de Ferro, Homem Aranha, Hulk, Luke Cage e Wolverine possuem poderes cósmicos!!! Deste modo, eles podem viajar pelo espaço para invadir outros planetas e saciarem a sua fome.
A minissérie de Kirkman põem em cheque a concepção de zumbis, isto é, existe a possibilidade de zumbis serem racionais. Se existe a possibilidade de zumbis serem racionais, o que diferencia um zumbi de um humano?
David Chalmers desenvolve o conceito de zumbi filosófico, a concepção de zumbi filosófico também diverge com a imagem já consolidada pela cultura pop. Segundo Chalmers o zumbi filosófico é semelhante ao ser humano, isto é, possui senso de humor, exerce as mesmas funções (pessoais, profissionais), também desenvolve o sistema sensorial  e sistema cognitivo, ou seja, em um primeiro momento é impossível distinguir de forma precisa um humano de um zumbi.
Chalmers então afirma que a distinção entre um humano e um zumbi é sutil, ou seja, o que realmente distingue um humano de um zumbi é a subjetividade, a consciência. Mesmo sendo um conceito nebuloso e abstrato para diversas áreas do conhecimento, Chalmers parte desta premissa, um humano possui consciência, um zumbi não. Por exemplo se espetarmos o dedo de um humano, o humano ira  sentir dor de fato, um zumbi ira simular as reações de dor, pois este não sabe o que é dor. O filósofo não propõem uma definição sobre o conceito de consciência, o filósofo esta interessado em investigar a subjetividade, a ontologia da mente. 
Para Chalmers, a partir destas análises a partir de uma interação interdisciplinar entre a filosofia, física, física quântica e a neurociência é possível uma compreensão mais aprofundada sobre o fascinante enigma que é o que denominamos como consciência.


*Para conhecer um pouco mais da filosofia de René Descartes ver:

Para assistir:


Para ler:

David Chalmers. The Conscious Mind (inglês).
Robert Kirk. Robots, Zombies and Us (inglês).
Robert Kirk. Zombies and Consciouness (inglês).
Robert Kirkman. Zumbis Marvel.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Filosofia, ciência e magia

Este texto é dedicado aos amigxs Alexandra Paulo, Genaine Leite, Gilberto Caldat, Rodrigo Mickus e Tawana Tábata.

Existe alguma relação entre filosofia, ciência e magia?!
Em um primeiro momento é comum afirmar que tais áreas não possui nenhuma relação ou que seja possível traçar um diálogo entre elas, pois as hipóteses desenvolvidas pela filosofia e a ciência são desenvolvidas a partir de pressupostos racionais e a magia é fruto da imaginação ou de algum delírio.
Entretanto, ao longo da história, de modo peculiar, tornou-se possível/relevante/interessante traçar algumas aproximações entre filosofia, ciência e magia. Pitágoras, filósofo da antiguidade, desenvolve junto com seus alunos estudos relacionado a matemática e astronomia, parte de suas investigações estão relacionados diretamente ao misticismo/esoterismo. Francis Bacon, Giordano Bruno e Isaac Newton também estão ligados ao misticismo, muitos de seus estudos, de natureza mística, contribuíram para o desenvolvimento da física moderna e contemporânea.
Deste modo, é possível afirmar que existem meios de aproximar estas áreas.
O que é vida? Uma questão fundamental para a filosofia, a ciência e também para as ciências ocultas.
A criatura Golem*, personagem da mitologia judaica, contribui para ilustrar a questão sobre a vida. O Golem é uma criatura inanimada, ou seja, não possui vida, a criatura apenas ganha vida quando um mago profere as palavras mágicas da Cabala.** O Golem tem a função de proteger e realizar os desejo de quem o despertou. Tomando como ponto de partida o mito do Golem é possível chegar a seguinte conclusão: não é possível chegar a uma resposta definitiva, ou seja, a questão sobre a vida esta aberta para inúmeras interpretações, mesmo não havendo como chegar a uma conclusão  concreta e/ou satisfatória, é possível apresentar algumas interpretações sobre o que seria a vida.
Segundo o cristianismo, o conceito de vida está diretamente ligado a Deus, isto é, a vida é um dom de Deus, ou seja, é um mistério, uma dádiva divina. A partir deste pressuposto metafísico cristão chegamos a conclusão de que a vida esta ligado a espiritualidade/misticismo.
Ao longo da história da filosofia, o conceito de vida foi interpretada das mais diferentes formas. Em alguns momentos relacionado a uma metafísica teológica, em outros momentos, uma metafísica racionalista.
Para a ciência, a questão sobre a vida torna-se fundamental para áreas como a biologia, física e química, mesmo com os avanços das teorias científicas e o avanço tecnológico, não há uma resposta que satisfaça a comunidade científica.
De algum modo, inquietações de natureza abstrata/metafísica como o que é vida envolve as áreas já mencionadas, deste modo, é possível construir um diálogo entre as respectivas áreas, deste modo contribuindo para a formulação de um saber.

* Ainda sobre o Golem, é possível traçar um paralelo com a criatura Frankenstein, personagem criado por Mary Shelley,o personagem bíblico Adão, sendo este ultimo, também uma criação originário do barro. A partir das reflexões do filósofo francês René Descartes sobre o autômato, é possível traçar um paralelo com o mito do Golem.  
** Método esotérico, pensamento místico judaico. 

Para assistir (filmes e vídeos):

Giordano Bruno, 1973


Para ler:

Aristóteles. Da Alma.
Aristóteles. Metafísica.
Alexandre Koyré. Do Mundo Fechado ao Universo Infinito.
E.E. Evans-Pritchard. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande.
Frances Yates. Giordano Bruno e a Tradição Hermética.
Giordano Bruno. Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos.
Giordano Bruno. Mundo, Magia, Memoria.
Paul Feyerabend. A Ciência em uma Sociedade Livre.
Paul Feyerabend. Contra o Método.
Thomas Kuhn. A Estrutura das Revoluções Científicas. 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Zumbis e alienação

A trilogia dos mortos-vivos produzidos pelo diretor estadunidense George Romero (1940 - 2017) contribuiu para a consolidação do zumbi como ícone da cultura pop. Na contemporaneidade os seus filmes são tidos como cult, ou seja, todo cinéfilo deve assistir esses filmes.
Mesmo sendo voltado para o entretenimento, os filmes de Romero podem ser interpretados como uma metáfora A sociedade contemporânea, isto é, uma crítica social, abordando temas como a alienação, consumismo e racismo.
O que é um zumbi? Comumente o zumbi é retratado como um morto-vivo reanimado, isto é, um indivíduo sem vontade própria, sem personalidade, além destas características, o zumbi é uma criatura agressiva, ou seja, os mortos-vivos alimentam-se de criaturas vivas, deste modo, os vivos, são alvos fáceis dos comedores de cérebros.  
Uma possível interpretação sobre o filme de Romero, Despertar dos mortos (1978) é a crítica a sociedade consumista norte-americana, isto é, uma crítica ao capitalismo. 
A trama inicia com o caos instaurado em solo americano, isto é, o apocalipse zumbi já é uma realidade, um grupo de remanescentes encontram um shopping, os integrantes decidem fazer o shopping o seu novo lar (fortaleza). A escolha do shopping não é por a caso, alguns integrantes do grupo de sobrevivente alega que eles tem tudo o que precisam neste lugar, deste modo, não é preciso sair para encontrar um lugar mais eficiente e seguro. Mesmo presenciando o apocalipse os sobreviventes ainda estão preocupados com o seu bem-estar, ou seja, a sensação de comodismo e prazer proporcionado pelo capitalismo. A partir desta perspectiva é possível traçar um paralelo com o de alienação. 
O que é alienação? A partir das reflexões do pensador alemão Karl Marx (1818 - 1883), a alienação esta diretamente relacionado com a produção do capital. A alienação é o resultado da relação do empregador e trabalhador, na qual o trabalhador de forma bruta esta contribuindo para o aumento do capital de seu empregador, sendo este último não retribuindo de forma satisfatória ao empregado, ou seja, o empregado tornou-se dependente do empregador para ter o mínimo que mantenha  sua sobrevivência, a sua vida se resume a condições mínimas para sobreviver através de seu trabalho prestado, enquanto isso, o empregador, obtém grande parte do lucro.
Ou seja, os zumbis de George Romero é uma alusão ao conceito de alienação/alienado de K. Marx, ou também, a proliferação da horda zumbi pode ser interpretada como o avanço selvagem do capitalismo, ou seja, o capitalismo oferece uma zona de conforto/felicidade de modo superficial, enquanto isso o indivíduo não percebe como tornou-se dependente do capitalismo.No entanto, a partir desta problemática, surge outra questão, como tornar-se desalienado, a proposta de Marx é a união universal dos trabalhadores e criarem uma revolução, consequentemente, surgiria um Estado socialista e como estágio final um Estado comunista.
Mas observando as inúmeras realidades que há na contemporaneidade, a revolução do proletariado é suficiente reduzir os danos causados pelo capitalismo selvagem? Seria necessário novas análises, reflexões para compreender as inúmeras realidades e complexidades que há na contemporaneidade encontrar um modelo plausível e satisfatório que substitua o capitalismo. Com os avanços tecnológicos a alienação tornou-se mais violento e normativo, isto é, faz parte do cotidiano da sociedade, deste modo, é necessário refletir para uma além revolução proposta por Marx...


Para assistir (filmes):


Para assistir (vídeos):


Para ler: