Comumente, quando vislumbramos a cultura cyberpunk nos vem a figura do transhumanismo/pós-humanismo, isto é, a interação simbiótica entre a tecnologia e o orgânico, em outras palavras, o próximo salto evolutivo deve ocorrer através do auxílio da tecnociência e não através de um processo natural. Na cultura pop podemos visualizar tais avanços através de filmes como Akira (1988) Blade Runner (1982) e Ghost in the shell (1995).
Além da experiência estética que o subgênero proporciona, também é possível notar alguns padrões: a figura do pós-humano, a virtualização da materialidade e a insuficiência (insucesso?) do progresso tecnocientífico em relação à resolução dos problemas sociais/ambientais, ao contrário, colaborou para a intensificação de tais problemas. Não é à toa que um dos principais jargões do subgênero é high tech, low life (alta tecnologia e baixa qualidade de vida).
Neste momento, iremos esboçar um possível diálogo, uma possível reflexão sobre a imagem que possuímos sobre a distopia cyberpunk e o conceito nietzschiano de décadence.
De maneira breve, a palavra 'cyberpunk' vai surgir no contexto literário de ficção científica estadunidense, a palavra será utilizada como título de um conto escrito por Bruce Bethke, publicado em 1980, posteriormente, a palavra será popularizada entre escritores e leitores de FC, além disso, será fundamental para a consolidação do subgênero na FC.
O cyberpunk será consolidado e difundido através da icônica e influente obra de William Gibson, Neuromancer (trilogia do Sprawl).
Frequentemente o cyberpunk é ambientado em uma realidade distópica, na qual a sociedade desta realidade convive entre o "real" e o virtual (metaverso), há muito mais figuras pós-orgânicas do que orgânicas propriamente dito, além de que as grandes metrópoles não são mais geridas pelas instituições estatais (Estado), mas sim pelas grandes corporações.
A ambientação destas metrópoles também podem ser consideradas como essenciais para a estética deste subgênero, além de ser fundamental para compreender alguns aspectos, como já mencionado anteriormente: "alta tecnologia e baixa qualidade de vida", as maravilhas provindas da tecnociência só serão acessadas pela alta sociedade, por exemplo: upload de mentes no próprio ciberespaço, ou troca de corpos (como se fossem peças de roupas do dia-a-dia), a criogenia ou até mesmo o aperfeiçoamento destes corpos através da engenharia genética ou algo mais avançado (human enhancement).
Ao fazer essa breve contextualização do cyberpunk, gostaríamos de chamar a atenção para um possível diálogo com a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900). Neste momento, gostaria de chamar a atenção para o conceito de décadence apresentado em algumas obras do filósofo alemão.
Segundo a compreensão nietzschiana sobre o conceito de décadence (influenciado pela obra de Paul Bouget (1852-1935), Essays de psychologie contemporaine (1883)), está relacionado com a decadência histórico-cultural civilizicional, ou seja, a décadence está relacionada ao niilismo, a vontade de nada (antônimo de vontade potência)*.
Ao observarmos para além da desigualdade social, é possível diagnosticar tais características nas ambientação cyberpunk, entretanto, enquanto o próprio cyberpunk irá enaltecer o niilismo e contribuir ainda mais com a aceleração da degradação do restante de Gaia, Nietzsche, irá propor (esboçar de modo sutil) uma superação deste niilismo através do além-do-homem (übermensch) e através da vontade de potência**, ou seja, através da caoticidade do mundo e através da transvaloração dos valores é possível superar essa décadence, imaginando a superação do contexto cyberpunk, é possível vislumbrar outros futuros possíveis, talvez um ecofuturismo, em outras palavras, embora, o pensamento nietszcheano diagnostique a ruína cultural/civilizacional, o filósofo ainda propõem um enaltecimento pela vida através da sua potência.
*Interpretação pessoal.
** Vontade de potência: embora seja um conceito controverso e polêmico na filosofia de Nietzsche, o filósofo desejava sistematizar este conceito. Para os que se interessam em se introduzir neste debate em específico, sugerimos a leitura do Assim falou Zaratustra, do próprio Nietzsche; Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos, da Scarlett Marton.
Para assistir:
Para ler:
Friedrich Nietzsche. Ecce Hommo.
Friedrich Nietzsche. O anticristo.
Friedrich Nietzsche. O caso Wagner.
William Gibson. Neuromancer.
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