Como bem sabemos, a ficção científica surge como uma especulação do futuro. Como será a sociedade do futuro? Quais serão os avanços da ciência e da tecnologia? Essas são algumas das inquietações que o gênero traz para os entusiastas da ficção científica. O longa-metragem de ficção científica estadunidense Gattaca (1997) não é diferente.
Em Gattaca - A experiência genética, somos apresentados a um futuro não muito distante, neste futuro somos apresentados a uma prática "incomum", durante o período de estação de uma criança, os pais possuem a liberdade de escolha em intervir no genoma da criança que está sendo gerada. Em outras palavras, os pais podem corrigir alguma anomalia genética ou até mesmo aperfeiçoar algum gene da criança que está sendo gerada.
Desta maneira a sociedade está dividido em dois grupos: a dos válidos - indivíduos considerados como perfeito (geneticamente aprimorado) e os inválidos - indivíduos imperfeitos (pessoas que não foram geneticamente aprimoradas).
A partir desta divisão, o funcionamento desta sociedade procede da seguinte maneira: os inválidos são condicionados não possui acesso aos melhores empregos, as melhores funções ou até mesmo de desfrutar de certos prazeres carnais. Já os válidos são o inverso.
No início do longa-metragem conhecemos a história de dois irmãos, Vincent e Anton Freeman, o primeiro é um inválido, isto é, nasceu com diversas doenças genéticas, logo após o seu nascimento e ter o seu DNA analisado, o médico já sentencia o prazo de vida de Vincent.
Devido a imperfeição genética de Vincent os seus pais decidem ter outra criança, Anton, no entanto, ao contrário do seu primogênito, os pais decidem que Anton seja aprimorado geneticamente, ou seja, Anton é um válido. Ao longo da apresentação destes personagens torna-se cada vez mais explícito o funcionamento do preconceito genético.
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Vincent (Ethan Hawke) |
Entretanto, mesmo sendo um inválido, Vincent não aceita a sua condição, Vincent deseja fazer uma viagem espacial, uma atividade permitida apenas para os válidos.
Mesmo que devido a sua condição seja impossível Vincent está disposto a qualquer coisa para realizar tal viagem, mesmo que seja através da ilegalidade.
Através desta breve apresentação do longa, conseguimos notar que a ficção se tornou realidade, através dos avanços da biotecnologia, bioengenharia e da biomedicina, o aprimoramento humano (human enhancement) é possível.
Em rápidas palavras o aprimoramento humano pode ser compreendido como a superação da limitação humana, através da instrumentalização da técnica, essa superação pode ser temporário ou permanente.
Assim como o progresso tecnocientífico e o progresso da biotecnologia, o aprimoramento humano possui a promessa elevar a condição humana, isto é, o aprimoramento humano é o próximo passo para a evolução da espécie.
Através da técnica de edição genética, o CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) e o DGPI (Diagnóstico Genético Pré-Implantação) permite que os pais decidam alterar a estrutura genética da criança mesmo estando em fase embrionária. Em outras palavras, os métodos utilizados para alcançar o aperfeiçoamento da espécie supera os limites impostos pela natureza. O aprimoramento humano surge como um trunfo para os entusiastas do uso da tecnologia, pois segundo estes entusiastas é a tecnologia que solucionara os problemas da humanidade.
O próximo passo da evolução da espécie humana não ocorrerá por meios naturais, mas sim por meios do artificial*.
Entretanto, gostaríamos de chamar a atenção para o seguinte questionamento: quais são as implicações do aprimoramento humano em nossa sociedade, o aprimoramento não seria uma forma de eugenia?
Especialistas como Michael Sandel, Natasha Vita-More, Nick Bostrom, Nicholas Agar e Julian Savulescu tem se dedicado a este debate, seja no espaço público, seja no especializado.
Mesmo que o aprimoramento humano extingue as anomalias genéticas, prolongue o tempo de vida da espécie humana**, a sociedade como um todo teria acesso a tais maravilhas ou seria como vislumbramos em Gattaca?
Segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas questões como a aplicação ou não no aprimoramento humano não deve ficar nas mãos do indivíduo (pais), cabe ao Estado e uma série de regulamentos provindos do biodireito, ou seja, o aprimoramento humano deve ser utilizado de maneira responsável para que não afete completamente a liberdade do indivíduo e que a eugenia liberal não seja instaurada.
Desta maneira, com o surgimento do aprimoramento humano, o debate ético também retorna aos espaços público e especializado através de uma nova perspectiva, a da vida (bios), a bioética.
A bioética recebe notoriedade após os eventos do pós-guerra (Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria), como lidar com os avanços tecnológicos? Como regulamentar tais aparatos? Como utilizar a tecnologia de modo responsável? Tais questionamentos são o ponto de partida da bioética.
Em uma sociedade tecnocientífica é necessário que o debate conjunto entre a bioética e o biodireito seja instaurado nas políticas públicas, nos ambientes públicos e especializados, deste modo retardando a hiperaceleração da extinção das espécies.
*Ainda é válido manter esse dualismo natural/artificial? Quais são as suas fronteiras? Uma possível resposta é não, pois já não somos uma sociedade moderna, somos uma sociedade tecnocientífica. Desta maneira, podemos concluir que estamos migrando do humanismo para o pós-humanismo (ver a figura do ciborgue descrito por Manfred Clynes e Nathan Kline). Manfred Clynes & Nathan Kline. Cyborg and space.
**Segundo os adeptos do transhusmanismo e o pós-humanismo, a vida humana não será estendida mas sim eterna, esse processo ocorrerá através do upload da nossa consciência (mind uploading) para a inteligência artificial.
Para assistir:
Para ler:
Jürgen Habermas. O futuro da natureza humana.
Nick Bostrom & Julian Savulescu (Eds.). Human enhancement.