Dedico este trabalho à raça de jovens mulheres prematuramente velhas, embrutecidas pela tagarelice dos pensamentos, que choram por detrás dos olhos.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Amadeu da Silva Ribeiro e Maria de Lourdes Tavela, meu irmão Domingos Tavela Ribeiro e minha avó Auria Correia Tavela por todo amor, apoio e incentivo. Foi a força de vocês que me manteve firme.
As minhas amigas Bianca Rocha, Cíntia Borges, Hanna Duarte, Lays Castro, Maria Antonia Nunes e Natália Lemos que me inspiram e lembram a todo momento a importância de não desistir. Vocês foram fundamentais em todo o processo. Lendo, traduzindo, formatando, dando opinião, me ouvindo… e sendo vocês mesmas. A trajetória de cada uma de vocês me inspira a continuar.
Apresentar esse trabalho articulando filosofia e literatura só foi possível graças à minha orientadora, que é um sopro de esperança no departamento de filosofia. Sua trajetória é admirável e revolucionária. Cassiana Stephan, sua presença nesse espaço garantiu a minha permanência.
RESUMO
Por que não sabemos amar em tempos de Capitalismo? Essa é a pergunta que move o quadrinho ensaístico de Liv Strömquist, pergunta que é também um problema filosófico, a qual será o fio condutor de nossa discussão no presente trabalho. Articulando filosofia e literatura, busco compreender o Eros que a filosofia socrático-platônica perpetuou. Como contraponto trago autores como Michel Foucault que identifica nesse Eros grego uma perspectiva narcisista. Filósofas e escritoras que reforçam que esse ideal de Eros nunca esteve acessível às mulheres, como Nelly Arcan em sua obra Puta e A prateleira do amor de Valeska Zanello – obras que deixam nítida a problemática que envolve o amor quando se trata das mulheres. Byung Chul Han, filósofo sul-coreano, também se debruça sobre o tema do amor e adota a figura de Sócrates como representante do Eros, o “atopos”. Já Paul B. Preciado, que aparece no último ensaio de nosso trabalho, dá-nos a oportunidade de vislumbrar uma multiplicidade de atopos ou atopoi, os quais estão, inclusive, para além do humano. Com Preciado, o Eros se torna plural.
Palavras Chaves: Eros; Capitalismo; Atopos;Mulheres; Filosofia; Literatura.
Por que não sabemos amar em tempos de Capitalismo? Essa pergunta é a porta de entrada para nossa discussão. O fio condutor de nossas reflexões será a HQ A rosa mais vermelha desabrocha de Liv Strömquist. Esse trabalho será composto por três ensaios filosóficos que têm o amor como tema central. A abertura perspectivística do amor se dará pela articulação entre literatura e filosofia.
No primeiro ensaio, intitulado “O elogio a Sócrates e o amor dos rapazes”, faremos um retorno histórico à Grécia, que ainda tem muito a nos dizer sobre a forma que amamos. O Banquete de Platão narra discursos feitos a Eros. Esse jantar contava com a presença de erastes (amantes) e eromenos (amados), o discurso de um desses erastes, Alcibíades, é o que me chama a atenção, pois ele não se dirigiu a Eros, mas sim a Sócrates, o objeto do seu amor. Uma declaração apaixonada, contrariando o amor racional entre os homens, como nos mostra Byung Chul Han. Já para Foucault, como podemos constatar em A História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres (2014), o amor entre Sócrates e seu mancebo caracterizava a estrutura narcísica do amor verdadeiro ou do amor entre os rapazes. Seja como for, neste trabalho, o amor que se apresentava nessas relações a partir de uma perspectiva filosófica socrático-platônica é o ponto de partida para entender o amor que cultivamos ou deixamos de cultivar nos dias de hoje.
No segundo ensaio, chamado “O amor: um desejo rarefeito no caso das mulheres (e somente no caso das mulheres)”, a mulher se torna parte importante da reflexão sobre o Eros, ela sai do âmbito privado se distancia do papel de mãe e esposa, atrelado pura e simplesmente ao escopo da procriação. A mulher passa a desempenhar uma nova função, a de objeto de desejo dentro do esquema heteronormativo. A mulher ainda não é digna do Eros, esse desejo também não é algo permanente, é rarefeito. A mulher faz parte de uma configuração homo social, ela é um catalisador, um espelho para que a relação significativa entre homens continue a acontecer. A questão que move este ensaio é: Por que as mulheres recebem amor tão raramente?
Por fim, no terceiro ensaio, “Notas sobre o amor pelas diferenças”, pretendo compartilhar reflexões acerca da nossa incapacidade de amar nos dias de hoje, ou ainda, sobre a nossa incapacidade de lidar com a alteridade em tempos como o nosso, assolados pelo capitalismo e sua estrutura fálico-patriarcal. Para tanto, recorrerei às reflexões que Byung Chul Han desenvolve em Agonia de Eros. Como contraponto, mas também como um suspiro de esperança, trago Paul B. Preciado que permite vislumbrar, a partir do relato de seus amores, novas formas de amar. A questão que nos move nesse terceiro momento pergunta pelo seguinte: que amores despontam da nossa travessia até Urano?
Pois bem, e talvez vocês estejam se perguntando, mas por que o amor? E eu lhes respondo, sem grandes fundamentações, mas com base em um insight, no insight que me trouxe até aqui: ainda que o mundo esteja como está, à beira da extinção, volto minhas forças ao amor. Afinal de contas, que outra razão temos para viver?
A reunião na casa de Agatão resultou em discursos feitos ao deus Eros que sobreviveram aos séculos. Entre eles estava Fedro que falou sobre o “amor-virtude”, Pausânias que distinguia o amor entre nobre e popular, já Sócrates acabou sendo porta-voz das palavras da sacerdotisa Diotima de Mantineia. E claro, temos Aristófanes com o seu mito das duas metades, aquelas que vagam perdidas e buscam desesperadamente se encontrarem. O encontro da nossa “alma gêmea” restauraria a nossa natureza e seria garantia de felicidade. Esse mito forjou o ideal romântico que nos persegue até os dias de hoje.
Para além de todos os discursos que foram feitos nessa festa, sobretudo um me chama a atenção. O discurso proferido por Alcibíades. Esse belo erastes chega à casa de Agatão procurando por Sócrates. O jovem bêbado encontra Sócrates na companhia de outro mancebo, mas isso não o impede de proferir seu discurso, que é dedicado ao filósofo.
O sentimento de Alcibíades constrangia Sócrates, que durante o banquete compartilhou suas ressalvas com Agatão, anfitrião da festa e o escolhido para permanecer ao lado do filósofo durante o banquete . Sócrates diz a Agatão:
O amor desse homem para comigo não me é pequeno embaraço. Desde que começou a amar-me, não posso encarar um belo mancebo ou conversar com ele, sem que a inveja e o ciúme o levem a incríveis excessos, cobrindo-me de afrontas e chegando quase ao extremo de me ferir com os punhos. Vê que ele não pratique aqui alguma violência dessa espécie; reconcilia-nos ou, pelo menos, protege-me, porque o temo, de fato, quando no furor do ciúme em que está. (PLATÂO, 2010, p.59).
Alcebíades não se dirige a Eros como os outros presentes, e sim a Sócrates, o objeto do seu amor. Esse jovem apaixonado não faz um discurso propriamente dito, é mais uma declaração de amor ou ainda um desabafo. Diz Alcebíades:
(...) fujo dele, evito-o; mas, revendo-o, coro de não ter cumprido minhas promessas. Chego a desejar, por vezes, que ele desaparecesse de entre os vivos. Entretanto, se tal acontecesse, sinto que seria ainda mais desgraçado. Não sei, de resumo, como comportar-me diante desse homem. Tal a fascinação que sobre mim e sobre muitos outros exercem as árias da flauta deste Sátiro. Vede, pois, quão verdadeira a minha comparação e quão prodigiosa as qualidades que o distinguem. Estai certos de que nenhum de vós aqui presente o conhece. Mas eu vô-lo farei conhecer, já que tomei a peito a tarefa. Sois testemunhas da paixão de Sócrates pelos mancebos. (PLATÃO, 2010, p.61).
Alcebíades compara o estar apaixonado com o ser mordido por uma víbora, fato que só quem passou pela experiência seria capaz de compreender e desculpar todos os excessos e dores do jovem que vê Sócrates como atopos. Alcebíades diz : O que o faz digno de todo aplauso é que não tem par nem entre os antigos, nem entre seus contemporâneos.” (PLATÃO, 2010, p.64) Para Alcibíades, Sócrates é incomparável, único, ele é visto e compreendido, talvez possamos afirmar, como um outro significativo.
O discurso passional de Alcebíades coloca em xeque as relações que existiam entre os amantes e o amado, já que o amor que estes julgavam compartilhar era celestial, puro e racional.
A dinâmica dessas relações é explorada e esclarecida em A História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres, de Michel Foucault (2014). As relações entre os homens caracterizavam, segundo Foucault, o amor verdadeiro, o amor filosófico e tanto o amado quanto o amante tinham papéis bem definidos a desempenhar.
De acordo com Foucault, o amor pelos rapazes e o ensino da filosofia aparecem interligados no período socrático-platônico e Sócrates é uma figura importante nesse contexto. A relação verdadeira, conjurada entre homens, implicava em parceiros com uma certa diferença de idade e uma distinção de status. Como nos explica Foucault, o jovem era um objeto erótico de alto valor.
(...) os gregos: eles pensavam que o mesmo desejo se dirigia a tudo que era desejável -rapaz ou moça - com a reserva de que era mais nobre o apetite que se inclinava ao que é mais belo e mais honrado: mas também pensavam que esse desejo devia dar lugar a uma conduta particular quando ele se instaurava numa relação entre dois indivíduos do sexo masculino. Os gregos não imaginavam que um homem tivesse necessidade de uma natureza “outra” para amar um homem; mas eles estimavam sem hesitar que, para os prazeres obtidos numa tal relação, era necessário dar uma outra forma moral que não aquela exigida quando se tratava de amar uma mulher. Nessa espécie de relação os prazeres não traíam, naquele que experimentava, uma natureza estranha, mas seu uso exigia uma estilística própria. (FOUCAULT, 2014, p.171-172).
O amor pelos rapazes também era uma espécie de jogo, a partir do momento que o jovem era livre para escolher e muitas vezes estimulado a amar outros rapazes – o que não acontecia com as mulheres, ou seja, as mulheres não podiam escolher amar outras mulheres, na medida em que relegadas à esfera da procriação e ao âmbito da casa. Pois bem, os rapazes podiam amar outros rapazes, ou ainda, serem escolhidos para serem amados por outros do mesmo sexo em razão de suas qualidades ou prestígio.
No capítulo Erótica do livro A História da Sexualidade 2 (2014), Foucault elucida que a reflexão sobre as relações com os rapazes consiste, de certa forma, em uma antiga reflexão sobre o amor. Vejamos:
O Eros pode unir seres humanos qualquer que seja o seu sexo; e pode-se ver em Xenofonte que Nikeratos e sua mulher estavam unidos entre si pelos vínculos de Eros e do Anteros. O Eros não é forçosamente “homossexual” nem muito menos excludente do casamento; e o vínculo conjugal não se distingue da relação com os rapazes na medida em que seria incompatível com a força do amor e a sua reciprocidade. A diferença é outra: a moral matrimonial, e mais precisamente a ética sexual do homem casado, não exige, para se constituir e definir suas regras, a existência de uma relação do tipo do Eros (mesmo se é muito possível que esse vínculo exista entre esposos). Em troca, quando se trata de definir o que deve ser, para atingir a mais bela e a mais perfeita forma, a relação de um homem com um rapaz, e quando se trata de determinar qual uso, no interior de sua relação, eles podem fazer de seus prazeres, então a referência ao Eros torna-se necessária; a problematização de sua relação diz respeito a uma “Erótica”. É porque entre dois cônjuges, o status ligado ao casamento, a gestão do oikos, a manutenção da descendência podem fundamentar os princípios da conduta, definir a suas regras e fixar as formas da temperança exigida. Em compensação, entre um homem e um rapaz, que estão em posição de independência recíproca, e entre os quais não existe constrição constitucional, mas um jogo aberto (com preferências, escolhas abertas, liberdade de movimento, desfecho incerto), o princípio de regulação das condutas deve ser buscado na própria relação, na natureza do movimento que os leva um para o outro, e da afeição que os liga reciprocamente. (FOUCAULT, 2014, p.179).
O amor é pensado pelos gregos, como nos explica Foucault, como uma forma de constituição subjetiva do próprio sujeito. A forma que amamos e quem amamos é parte importante de quem somos e de quem podemos nos tornar. Os homens precisam aprender a comandar seus prazeres, só seria capaz de governar uma cidade quem fosse capaz de governar a si próprio.
O amor pelos rapazes os coloca numa posição de igualdade, ainda que houvesse as relações entre os eromenos e os erastes, a liberdade e a reciprocidade se mantiveram presentes, de modo que, como nos mostra Foucault no excerto supramencionado, “os rapazes estão em posição de independência recíproca” (FOUCAULT, 2014, p.179). Esse amor verdadeiro também implicava na amizade, e esta só era compartilhada pelos homens e só se dava entre homens, sendo o vetor do amor verdadeiro.
O Eros que aparece na obra de Platão ganha uma nova interpretação na genealogia que Foucault faz da sexualidade. A relação de Alcebíades e Sócrates ganha novos contornos, não é só sobre um jovem perdidamente apaixonado por seu mestre. O que está em questão, para Foucault, é uma erótica que diz respeito à arte de amar. As relações que se constituíam dentro dessa dinâmica possuíam um manual de conduta, a corte que era feita aos rapazes era também uma espécie de dialética. O amor e a amizade se confundem quando se trata dos rapazes, e a experimentação de tal erótica se justifica filosoficamente pela virtude e pela verdade. Não se trata do amor assimétrico, entre homens e mulheres, destinado à procriação, mas antes de um amor recíproco de configuração narcísica destinado à aquisição da verdade e à prática da virtude.
Nesse sentido, a partir da análise de Foucault, conseguimos perceber que o amor entre os rapazes não existe por conta do atopos – como Alcebíades inicialmente nos leva a crer no Banquete de Platão, mais precisamente, no discurso que ele direciona a Sócrates – mas sim por conta da identidade e da reciprocidade entre os amantes, ou seja, o Eros só se é possível e só se torna possível, no caso dos rapazes, porque o amante e o amado se reconhecem como iguais.
A problemática que nos aparece quando Eros é colocado frente a frente com as mulheres exige uma análise exegética cuidadosa. É um tema que se desdobra, embaraça-se e nos apresenta muitos caminhos possíveis. Quando escolhi falar sobre Eros, ele veio até mim através do Byung- Chul Han (Agonia de Eros, 2020) que não destaca, como Foucault, a configuração narcísica do Eros socrático-platônico, mas sim a figura de Sócrates como atopos no intuito de compreender a alteridade.
Ao me valer de Byung- Chul Han, sigo o caminho traçado por Liv Strömquist em A rosa mais vermelha desabrocha2021). Mas, ao estudar Foucault, amplio a percepção de Liv Strömiquist, ou seja, redimensiono a questão que a , “Porque as pessoas se apaixonam tão raramente hoje em dia”, de modo a perguntar, “por que as mulheres recebem amor tão raramente?” . Para tanto, preciso mobilizar Foucault e seu diagnóstico do amor dos rapazes.
Dito de outro modo, antes de chegar a uma conclusão do porque é tão difícil as pessoas se apaixonarem, peguei-me questionando porque é tão difícil as mulheres terem acesso ao Eros. Por que o amor, mesmo quando apresentado sob a matriz heterossexual , não está à disposição das mulheres? Porque as mulheres recebem amor tão raramente? É isso que vou tentar responder com a ajuda de Liv Strömquist, Foucault, Katha Pollitt ,Nelly Arcan e Valeska Zanello.
Michel Foucault resgata uma fala de Protógenes em A História da Sexualidade 3: o cuidado de si que diz “Nenhuma parcela do amor pode entrar no gineceu” (p.200). O gineceu , vale ressaltar, era a parte reservada para as mulheres dentro das moradias gregas. Sabemos que na Antiguidade, ao menos no período socrático-platônico, as mulheres não eram dignas do amor verdadeiro. Mas, a questão que me inquieta aqui e agora é a seguinte: e quando, na modernidade, as mulheres se tornam objetos de desejo, são elas dignas de amor? Se cavarmos mais fundo, sobretudo na direção de Katha Pollitt e Nelly Arcan, perceberemos que na contemporaneidade as mulheres estão relegadas à manutenção da estrutura fálico-patriarcal, de modo que ora ela aparece como espelho, ora como objeto de desejo masculino.
É importante ressaltar que nem todas as mulheres são dignas de desejo, por mais ilusório que ele seja, é um desejo que escolhe, exclui e categoriza mulheres. Com base em Nelly Arcan, vou abordar algumas dessas categorias, a saber, a “Lolita”, a “puta” e a “smurfette". A autora Valeska Zanello vai nos exemplificar qual lugar elas ocupariam na prateleira do amor.
O termo “Lolita” é muito conhecido pelo senso comum, mas vale lembrar que ele apareceu na obra homônima do escritor Vladimir Nabokov (2003). No livro é um apelido, é assim que o protagonista se refere a uma menina de 12 anos que ele compreende como uma uma jovem sedutora. Com o passar do tempo esse termo se tornou sinônimo para ninfeta e aparece até mesmo como categoria para o marketing pornográfico que busca apresentar jovens mulheres em suas plataformas.
A categoria Smurfette surge com a existência de uma personagem feminina que carrega o mesmo nome. O contexto no qual ela é inserida e a sua permanência na história também nos possibilita analisar qual papel é reservado para as mulheres nas narrativas construídas por homens.
Os Smurfs são personagens de uma série em quadrinhos, criada pelo cartunista belga Pierre Culliford em 1958. Eles são criaturinhas azuis, todos do sexo masculino, se assemelham a duendes e vivem em casas com formato de cogumelo no meio da floresta. Eles possuem um arqui-inimigo, um mago malvado, o Gargamel, ele é o responsável pela criação da Smurfette, ela sendo a única mulher no meio dos Smurfs seria a responsável por semear ciúmes entre eles. No entanto, ela gosta de ficar no meio deles e pede para o papai Smurf transformá-la em uma smurf do bem.
O princípio da Smurfette, esclarecido pela autora Katha Pollitt no artigo “Hers: Smurfette Principle”, publicado em 1991 no New York TimesTrata-se do seguinte :
um grupo de amigos homens que será enfatizado por uma única mulher, definida de forma estereotipada. Nos piores desenhos - naqueles que se misturam perfeitamente com os comerciais de cereais matinais- a mulher faz o tipo da irmãzinha, da coelha em um vestido rosa e com fitas no cabelo que anda junto com os ursos e texugos aventureiros. (...) A mensagem é clara. Garotos são a norma, garotas a variante; garotos são centrais, garotas periféricas; garotos são indivíduos, garotas são tipos. Garotos definem o grupo, a história do grupo, seus códigos e valores. Garotas existem somente em relação aos garotos. (POLLITT, Hers; Smurfette Principle, 1991)
Essas categorias são abordadas no livro Puta da autora canadense Nelly Arcan, ela escolheu a categoria “Puta” como rota de fuga da estrutura fálico-patriarcal. A personagem queria evitar o destino da mãe, se recusava a se tornar uma mulher-larva, conhecia a finitude da beleza e o real interesse dos homens. Escolher ser puta lhe garantiu uma pequena parcela de controle sobre seu destino e a chance de escolher como viver sua própria vida. Neste solilóquio, Arcan narra o cotidiano de Cynthia, uma prostituta de luxo, e externaliza as questões existenciais da personagem.
Em Puta, Nelly Arcan traça uma linha do tempo para as mulheres. Vejamos:
uma mulher é tudo isso, é só isso, infinitamente deprimente, uma boneca, uma smurfette, uma puta, um ser que faz de sua vida uma vida de larva que apenas se mexe para que outros a vejam mexer, que age apenas para mostrar que age, e não acabou, pois é preciso que ela seja a única de seu gênero para que fique feliz, a única smurfette do vilarejo em meio a cem smurfs, nem mãe nem filha de ninguém, pura coquete que existe apenas para seu coquetismo, a representante da raça daquelas que não são nem mãe nem filha, que só estão ali para excitar e continuamente se assegurarem de que elas podem excitar, para o grande prazer de todos pois os homens estão pouco se fodendo se são mães e filhas, eles querem poder foder todas, mesmo suas mães e filhas, eles querem poder pensar nelas como a smurfette que ri ao se ver tão bela e tão loira no pequeno espelho que ela sempre tem à mão por medo de ficar sozinha. (ARCAN, 2021, p.43)
Como podemos perceber, para Arcan, a mulher é uma boneca, uma smurfette, uma puta e termina sua vida como larva. Arcan usa a figura da larva para referir-se às mulheres que não são mais desejadas. Pensemos: larva é um estágio transitório entre um ser e outro, necessita de uma metamorfose para chegar à fase adulta; no entanto, para Arcan, a mulher-larva encerra o seu ciclo nessa fase. A mãe de Cynthia nunca voou, nem teve asas, o destino dela foi de viver e morrer como larva. Nós mulheres viveríamos no eterno “poderia ser”, mas jamais no ser, possibilidade que nos é negada, pois em geral não somos reconhecidas como alguém, mas como algo que se deseja ou que se deixou de desejar .
Não foi Arcan que criou essas categorias que acabo de lhes apresentar, elas fazem parte da estrutura fálico-patriarcal, nós não somos vistas nem como iguais, nem como atopos, somos tipos, tipos de objetos. E enquanto objeto de desejo (ou objeto que não incita mais o desejo) possuímos uma função: refletir o falo daquele que deseja. O homem heteronormativo só é capaz de amar aquilo/aquele que o reflete e enquanto o reflete.
Freud em a Introdução ao Narcisismo (1914) vinculou o amor narcísico às mulheres, mas tendo em vista que o psicanalista só se dedicou a estudar e controlar as mulheres, é natural que os traços narcísicos dos homens tenham passado despercebido por ele. Nelly Arcan, ao contrário de Freud, mostra-nos que na verdade os narcisistas são eles e não nós.
Talvez possamos afirmar que os amores contemporâneos são reforços narcísicos, sobretudo quando se trata de relações entretidas sob a matriz heterossexual. Nesse caso, fica ainda mais evidente que a mulher serve como um espelho para refletir essa estrutura, isto é, como objeto de desejo.
A mulher que é vista como objeto de desejo costuma se enquadrar nas categorias da “Lolita”, da “Puta” e da “Smurfette”, mas um fator importante é que não dá pra ser Lolita ou Smurfette para sempre, o desejo é rarefeito, esse desejo deixa de se voltar àquela que não mais reflete a virilidade do falo, de modo que esta se torna a mulher-larva.
A psicóloga e filósofa brasileira Valeska Zanello aborda em seus estudos os dispositivos amorosos e ela cunhou o termo “a prateleira do amor” que define bem o desejo rarefeito. Como nos explica Valeska:
(...) as mulheres se subjetivam na prateleira do amor. Sua autoestima é construída e validada pela possibilidade de “ser escolhida” por um homem. Essa prateleira é regida por um ideal estético, o qual vem se construindo desde o começo do século passado e possui a característica de ser branco, louro, jovem e magro. Quanto mais distante desses ideias, maior o impacto sobre a autoestima da mulher e maiores são as chances de se sentir “encalhada” na prateleira, ficando em posições mais desfavoráveis nela. Em geral, é comum que essas mulheres sejam alvo de preterimento afetivo, preterimento esse que é interpelado na configuração emocional de homens (brancos e negros) em relação a elas. Por outro lado, por mais momentaneamente uma mulher se encontre em uma suposta “boa” posição, continua ainda vulnerabilizada, pois está fadada a envelhecer, engordar, “ficar fora do mercado. (ZENELLO, 2022, p 61-62)
O ideal estético sempre esteve presente e a beleza sempre foi uma moeda de troca no que se refere à matriz heterossexual do desejo. Liv Strömquist em seu mais recente quadrinho publicado no Brasil, intitulado Na Sala dos Espelhos (2023) aborda o tema da beleza e acompanha seus desdobramentos ao longo do tempo. Até mesmo na Bíblia, considerado um dos livros mais antigos do mundo, a beleza aparece como fator determinante das relações. A autora narra a história de Jacó, que ao ir a um poço se encontra com Raquel, uma moça que está dando água às ovelhas. Ele a acompanha até em casa, ela mora com seu pai e a irmã mais velha Lia. Na bíblia, diz-se que Lia tinha olhos feios, enquanto Raquel era formosa de porte e semblante. A história segue com Jacó apaixonado e trabalhando para o pai delas por sete anos com o objetivo de se casar com Raquel, no entanto, no dia do casamento, a tradição ordena que a filha mais velha se case primeiro, Jacó determinado para obter a permissão do pai, promete trabalhar mais sete anos para o patriarca e assim conseguir se casar com Raquel, a mais formosa. Ele consegue realizar seu desejo, casa-se com Raquel porque a irmã mais velha era muito feia. O amor, até mesmo na bíblia, estava condicionado à aparência estética. Os olhos de Lia não mereciam amor e tampoucodesejo. Raquel é Lolita, Lia é mulher-larva.
Essa passagem no livro do Gênesis elucida bem que o desejo e a possibilidade de ser amada estavam condicionados à aparência física, a um padrão em vigência. Mas, o fato é que o Eros, enquanto amor verdadeiro, não esteve à disposição das mulheres nem mesmo na Bíblia. A mulher não é vista nem como igual, nem como atopos, ela não é um outro significativo. Ela é simplesmente um objeto, um objeto de desejo ou objeto que deixa de ser desejado.
Nesse sentido, talvez possamos afirmar que a aparência física é um fator determinante no caso do amor contemporâneo que só pode ser pensado sob a luz do desejo e não como uma conjunção filosoficamente afetiva. Seja como for, não esqueçamos de que toda a Smurfette tem um prazo de validade, vale até o fim da sideração do desejo masculino.
Liv Strömquist (2021) rememora, por exemplo, as relações do ator Leonardo DiCaprio, o qual sempre namorou modelos, o detalhe é que suas namoradas nunca tiveram mais de 25 anos – inclusive, em Hollywood isso se tornou piada: “maldição dos 25”, seria mesmo uma maldição ou só um ótimo exemplo de narcisismo extremo? Freud se estivesse vivo talvez pudesse analisar esses traços e reavaliar sua teoria.
Desde Jacó até DiCaprio o que fica evidente é que de fato o Eros não entra no gineceu e que o desejo é rarefeito, depois dos 25 já somos mulheres larvas, caímos antes mesmo de termos aprendido a voar.
Os quadrinhos ensaísticos de Liv Strömquist sempre proporcionam grandes reflexões, com temas relevantes e contemporâneos ela constrói narrativas com muita inteligência e sarcasmo. O quadrinho A Rosa Mais Vermelha Desabrocha (2021) traz em seu subtítulo um problema filosófico, a questão do amor em tempos de capitalismo tardio e o porquê das pessoas se apaixonarem tão raramente hoje em dia.
O amor, tema tão complexo e ao mesmo tempo tão presente no nosso dia-a-dia tem direcionado as minhas leituras. No livro Elogio ao Amor (2013, p.10) Alain Badiou retoma Platão em sua colocação “Quem não começa pelo amor nunca saberá o que é filosofia”, o que me fez pensar que estou no caminho certo.
Strömquist com a ajuda de fragmentos biográficos e históricos vai costurando um ensaio literário e filosófico sobre o amor romântico. Não faltam exemplos de apaixonados, mas cada história compartilhada pela quadrinista nos proporciona uma nova perspectiva do amor. Podemos citar aqui o amor que Alcebíades sentia por Sócrates, o amor de Nietzsche por Lou Salomé que partiu seu coração em pedacinhos, os amores de Hilda Doolittle que mantiveram a rosa viva ou ainda os relacionamentos de Leonardo Dicaprio que segundo Strömquist resultam em “zero amor”. Para entender por que nos apaixonamos tão raramente hoje em dia precisamos colocar sob análise a forma pela qual nos relacionamos e o que buscamos nessas relações.
A HQ começa com uma retrospectiva dos relacionamentos do ator de Hollywood Leonardo Dicaprio, conhecido pelos seus trabalhos no cinema e por sua vida pessoal, sempre sob os holofotes. Curiosamente, as namoradas de Dicaprio compartilham as mesmas características físicas e profissionais: modelos, brancas, loiras, sucessos em campanhas de lingerie e biquíni e com idade inferior a 25 anos. O fator idade já rendeu ao ator muitos comentários e até mesmo uma teoria: “maldição dos 25”. Acompanhamos o envelhecimento de Dicaprio através das telas, ele tem atualmente 48 anos, no entanto nunca apareceu publicamente com uma mulher com idade superior a 25 anos. Suas namoradas não envelhecem, a maldição dos 25 se tornou uma tese e é também uma piada que envolve os relacionamentos do ator.
Liv Strömquist se questiona sobre o real motivo dessa sequência de relacionamentos do Dicaprio. Ele não consegue se apaixonar? Ele ainda não encontrou a pessoa certa? Ele não sente nada?
O autor que traz algumas respostas para Strömquist é Byung-Chul Han; a obra que ela cita e pretendo explorar neste último ensaio é Agonia do Eros (2020). Para entendermos a teoria de Han sobre o amor, precisamos ter em mente a que Eros ele se refere. O conceito de Eros que compartilhamos até aqui com Han privilegia a figura de Sócrates como um atopos e não a estrutura narcísica do amor pelos rapazes, como no caso do diagnóstico que Foucault faz do período socrático-platônico. Assim como a leitura que Han faz de Sócrates, acreditamos que para compreendermos o amor o outro precisa nos aparecer como atopos.
É aí que Leonardo Dicaprio e Byung Chul Han se encontram. Para este , o motivo de nos apaixonamos menos hoje em dia, ou ainda, a lista extensa de ex-namoradas do Dicaprio, deve-se ao desaparecimento do “outro” como outro. Não conseguimos conceber o outro em sua alteridade, as outras pessoas servem como um espelho para refletir e afirmar o nosso ego. Segundo o filósofo sul-coreano esse é o resultado de uma sociedade capitalista que vivencia o narcisismo extremo.
Se não conseguimos reconhecer a alteridade do outro, como vamos nos apaixonar por ele? O atopos corresponde a esse sentimento de ver o ser amado como único, incomparável, sui generis.
Quando falamos em atopos lembro do discurso de Alcibíades para Sócrates em O banquete de Platão (2010). Na festa promovida por Agatão todos discursaram sobre Eros, cada qual a sua maneira fez seu elogio, no entanto, Alcibíades não falou sobre o amor e sim sobre o seu amado. Nas trilhas de Han, poderíamos dizer que esse amor é um ótimo exemplo do “fall in love” que permeia a ideia do amor romântico. Vejamos o que diz o Alcibíades no Banquete:
Ademais, meu estado de espírito é semelhante aos que foram mordidos de víbora, os quais, ao que se diz, não gostam de falar do acontecido, senão só aos que já foram vítimas do mesmo incidente, como os únicos em condições de entender e desculpar tudo o que fizeram e disseram com o látego da dor. (PLATÃO,2010, p.62).
Será que Dicaprio já foi mordido por uma víbora? Será que alguma das inúmeras modelos chegou a ser vista enquanto atopos?
Mas vale lembrar que compartilhamos com Dicaprio uma época marcada pelo sistema capitalista e pelo narcisismo extremo. As nossas relações não estão nos portais de notícia, mas o desaparecimento do outro também se faz presente em nossas vidas anônimas. Na era dos aplicativos de relacionamentos o outro nos aparece em uma tela, vemos uma imagem, um conjunto de características e decidimos se o outro merece a nossa atenção. E sempre haverá um depois do outro, a oferta não para. O outro que nos aparece ao alcance dos dedos está longe de ser visto em sua completude, e em sua alteridade; trata-se de um fragmento temporal que nada mais é do que um espelho de nossa própria silhueta que reflete no visor de um pequeno telefone. Como nos explica, Byung Chul Han :
O outro que eu desejo e me fascina é sem lugar. Ele se retrai à linguagem do igual: “Enquanto atopos, o outro abala a linguagem: não se pode falar dele, sobre ele; todo e qualquer atributo é falso, doloroso, insensível, constrangedor [...]”. A cultura atual da comparação constante não admite a negatividade do atopos. Estamos constantemente comparando tudo com tudo, e com isso nivelamos tudo ao igual, porque perdemos de vista justamente a atopia do outro (CHUL HAN, Agonia de Eros, 2020, p.9).
A sociedade do desempenho que Byung-Chul Han cita em sua obra Sociedade do Cansaço (2017) nada mais é do que a sociedade em que vivemos. Quando o autor propõe esta chave de análise, ele está falando de nós, da nossa forma de viver e de nos relacionarmos. Na contemporaneidade nossas relações são sempre reforços narcísicos, estamos esperando que nossas relações funcionem como um espelhamento, aí reside a causa de não sabermos lidar com o outro, nós nem queremos um outro, buscamos só um reflexo. Se não somos capazes de lidar com a alteridade, por consequência não conseguimos amar.
Quando Han fala do Eros ele o localiza num espaço temporal, dentro de um sistema econômico, com uma perspectiva narcísica e uma estrutura fálico-patriarcal. Como contraponto quero abordar a filosofia e os amores de Paul B. Preciado. A perspectiva de Preciado vem diretamente de Urano e nos proporciona um sopro de esperança. Em seu livro de crônicas, chamado Um apartamento em Urano: Crônicas da Travessia (2020), ele compartilha conosco histórias sobre seus amores e nos permite vislumbrar novas formas de amar.
O amor, assunto recorrente em nossas vidas, sempre nos é dado na esfera romântica, seja no casal do filme, na letra da música sobre um ex-amor, na dedicatória de um livro que homenageia alguém importante. O amor sempre vem em par.
Um detalhe importante sobre esse amor midiático, escancarado, almejado é que ele sempre é vivido na matriz heterossexual. A esse amor, Preciado responde em seu livro Um apartamento em Urano o seguinte: :
Platão era um charlatão, São Valentim um criminoso e São Paulo um mero publicitário. Uma alma dividida em duas metades que depois de encontram? E se em vez de ser dividida simetricamente a alma é cortada em pedaços desiguais? E se em lugar de duas metades ela se divide em 12568 pequenos fragmentos? E se não temos uma alma, mas oito, como afirmam outras cosmologias? E se a alma é indivisível? E se não existe alma? Depois, numa manhã de junho, acordei com uma única ideia na cabeça: o amor é um drone (PRECIADO, 2020, p 149-150).
Essa recusa ao amor drone é o que coincidentemente torna Preciado pronto para amar. Ele reinventa esse sentimento abstrato. Na crônica “Agorafilia”, do livro Um apartamento em Urano: Crônicas da Travessia (2020), o autor nos conta que conheceu quatro tipos de paixões amorosas: a suscitada por um humano, a provocada por um animal, a por uma fabricação histórica do espírito (livro, obra de arte, música…) ou a ocasionada por uma cidade.
Ele nos conta sobre um rompimento e o golpe seco que levou ao se dar conta de que desejava de outra forma. A ideia do amor romântico e o “juntos para sempre” caiu por terra. Mas, com esse rompimento em relação aos romantismos, o amor deu lugar à liberdade, à liberdade de se experienciar amores plurais.
Por exemplo, quando Preciado nos fala sobre Philomène, sua cachorra, e narra que: “sua presença me enche de uma satisfação imensa, de um deleite orgânico incomparável…”, ela se torna “atopos”, ou seja, ela assume o lugar do outro significativo a partir da alteridade que manifesta e não em decorrência de uma correspondência narcísica. Ele nos afirma: “Philomène não é uma projeção minha, ou um brinquedo, não é um remédio para a solidão, ou um substituto do filho que não tenho. Posso afirmar: eu conheci o amor canino”. (PRECIADO, 2020, p. 115).
Paul Preciado reinventou o amor e permitiu-se vê-lo além da barreira romântica e da estrutura fálico-patriarcal. Não foi somente o amor por Philomène que o permitiu romper com esse ideal, mas toda a sua trajetória. O cronista se apaixonou por livros, obras de arte, se apaixonou por Paris, tem se sentindo em casa em Atenas. Ele encontra o amor em cada relação que constrói. O amor permeia sua vida e seu caminho. Em sua crônica “Amor no Antropoceno” suas palavras deixam clara a relação amorosa que entretém com o mundo:
Terrafilia. Estou apaixonado pelo planeta, a espessura da relva me excita, nada me comove mais profundamente do que o delicado movimento de uma lagarta subindo pela casca de uma árvore . Às vezes quando ninguém me vê, me inclino para beijar uma minhoca, sabendo que a intensidade de meu hálito vai acelerar o ritmo de sua pulsação (PRECIADO, 2020, p. 116).
Preciado nos diz para destroçar a ficção normativa e correr...correr para longe dela em direção à transgressão. Essa transgressão nos permite criar uma nova política dos desejos. Nessa mesma linha, bell hooks no seu livro Tudo sobre o amor (2020) afirma que o amor é uma ação. O amor é o que o amor faz. Sendo assim, o amor de Preciado é revolucionário justamente porque é plural, porque multiaxial, ele faz e se alimenta da alteridade.
Minha intenção com estes ensaios não é tratar do tema do amor de forma exaustiva, mas sim elaborar reflexões esparsas que ainda merecem aprofundamento filosófico e literário. Como vocês puderam perceber, o fio condutor deste trabalho é a HQ A rosa mais vermelha desabrocha, de Liv Strönquist (2021), de modo que a articulação de minha pesquisa se deu entre filosofia e literatura. Ademais, com a ajuda de diversos pensadores, busco refletir sobre o amor pelo viés das teorias feministas pós-estruturalistas, contextualizando-o no tempo e no espaço do capitalismo. Os três ensaios aqui apresentados atuam como aberturas perspectivísticas em torno do problema e estão longe de esgotar a questão.
Visando uma melhor compreensão sobre o assunto gostaria futuramente de ampliar a problemática no sentido estético e político,valendo-me da HQ Na sala dos Espelhos (2023) de Liv Strömquist e Beauté Fatale: les nouveaux visages d'une alliénation féminine, da autora Mona Chollet.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARCAN, Nelly. Puta. São Paulo: Crocodilo, N-1 edições, 2021.
BADIOU, Alain; TRUONG, Nicolas. Elogio ao Amor. São Paulo: Martins Fontes, 2013
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 2: O uso dos prazeres. 5. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2014. v. 2.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 3: O cuidado de si. 8. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2020. v. 3.
FREUD, Sigmund. Obras completas - Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v. 12.
HAN, Byung Chul . Agonia do Eros. 4. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2020.
HAN, Byung Chul. Sociedade do Cansaço. 2.ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2017.
hooks, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.
POLLITT , Katha . Hers; Smurfette Principle. The New York Times, April 7, 1991, Section 6, p.22. Versão em Português: https://www.nytimes.com/1991/04/07/magazine/hers-the-smurfette-principle.html
PLATÃO. Apologia de Sócrates, O Banquete e Fedro. 1. ed. São Paulo: Folha de S. Paulo. Coleção Folha: livros que mudaram o mundo, 2010.
PRECIADO, Paul B. Um apartamento em Urano: crônicas da travessia. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
STRÖMQUIST, Liv. A rosa mais vermelha desabrocha: O amor nos tempos do capitalismo tardio ou por que as pessoas se apaixonam tão raramente hoje em dia. 1. ed. São Paulo: Quadrinhos & Cia, 2021.
STRÖMQUIST, Liv. Na sala dos Espelhos : Autoimagem em transe ou beleza e autenticidade como mercadoria da era dos likes e outras encenações do eu. 1. ed. São Paulo: Quadrinhos & Cia, 2023.
ZANELLO, Valeska. A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. 1. ed. Curitiba: Appris, 2022.