Texto de comunicação apresentado na XVI Semana acadêmica de Filosofia da UFPR, 31/10/2024.
Este texto é dedicado ao Professor Paulo Vinícius Baptista da Silva (In memoriam) e Tawana Tábata.
Este texto deve ser compreendido como um relato de experiência como estudante (secundarista e graduando) e docente de filosofia.
Mesmo estando em vigência desde meados de 2003 por meio da Lei Federal 10.639 e posteriormente pela Lei Federal 11.645/2008 na qual tinha como proposta a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e ameríndia no ens. fundamental e médio, não possuo alguma lembrança de ter tido algum contato sobre a temática na escola.
O meu primeiro contato se deu após a minha entrada na Universidade Federal do Paraná, ironicamente por meio do curso de graduação em filosofia. No dia 8 de abril de 2017 ocorreu O 1 ciclo de estudos negros da UFPR, foi neste evento que tive conhecimento com filosofia africana, mais especificamente com a obra de Marcien Towa (1931-2014), A ideia de uma filosofia negro-africana (2015), que foi traduzido pelo estudante de Ciências Sociais (UFPR) por Roberto Jardim da Silva. Além do filósofo camaronês, tive contato com personalidades como Angela Davis, Bell Hooks, Grada Kilomba, Paulina Chiziane, Sojouner Truth (1797-1883)
e Sueli Carneiro.
Instigado, no 2º semestre daquele mesmo ano, me inscrevi na disciplina de Tópicos Esp. História da África, no curso de História
Memória e Imagem, ministrado pelo Prof. Dr. Hector Guerra (na época a disciplina ainda era ofertada como optativa, apenas em 2018 passou a ser obrigatória), na qual tive contato com pensadores importantes como Achille Mbembe, Edward Said (1935-2003), Frantz Fanon (1925-1961), Homi Bhabha e, etc. Além do choque de realidade de ter vindo de uma cidade interiorana para a Capital, o choque com a cultura e a realidade universitária, tive a imensa alegria em ouvir falar do trabalho do então doutorando em filosofia Thiago Dantas, em 2018 tive a grande oportunidade de assistir a sua defesa assim como tive a imensa alegria de ler a sua tese. Desde então, sou um grande entusiasta e leitor de seus artigos. Ao longo dos anos na graduação e estudando por conta própria, fui me aprofundando sobretudo sobre o conceito de "ubuntu" e de epistemecídio.
Por meio dos meus estudos e de contatos com outros estudantes e professores na Universidade, foi fundamental na minha decisão de ministrar algumas aulas sobre África e relações
étnico-raciais, seja no ensino médio, seja no cursinho pré-vestibular em que atuo atualmente. Também gostaria de destacar que essa minha postura provém de atitudes e conversas inspiradoras com amigos e colegas como Adilbênia Machado, Aline Di Giuseppe, Elias Jr., Hector Guerra, Ivo de Queiroz, Janine Ribeiro,
Juliana Ertes, Katiúscia Ribeiro, Luis Thiago Freire Dantas, Mirian Mazzardo e
Pedro Gonçalves. Gostaria de deixar registrado o meu agradecimento por isso.
No ano de 2023, agora formado em filosofia retorno para a sala de aula como professor de filosofia, em março assumo aula como professor PSS de filosofia na rede pública do Estado do Paraná, mais especificamente na cidade de Piên, na qual tive a oportunidade de trabalhar no Colégio Estadual Frederico Gilherme Giese, localizado no centro da cidade e no Colégio Estadual do Campo Alfredo Greipel Junior, localizado no bairro Trigolândia (também tive uma breve passagem como professor substituto na escola em que estudei, Colégio Estadual do Campo Rui Barbosa, em Agudos do Sul, na qual foi uma sensação mista de alegria e esquisita).
Dado esta breve contextualização da minha formação pessoal e profissional darei ênfase na minha experiência como docente de filosofia no Colégio Alfredo, na qual fui coordenador e representante da área de ciências humanas da Equipe Multidisciplinar para educação de relações Étnico-Raciais
(EMERER) durante o ano letivo de 2023*.
Em rápidas palavras, o EMERER procura intensificar ainda mais o trabalho interdisciplinar entre o corpo docente, além de reforçar o diálogo e a interação entre os discentes e a comunidade externa no que compete à conscientização, à inclusão étnica-racial e o combate ao racismo.
Partindo do pressuposto de que abordar a temática apenas no dia 20 de novembro não é o suficiente, ao longo do ano letivo a temática foi trabalhada e apenas sendo reforçada na data de conscientização. Na tentativa de ir para além dos muros da Escola, foi criado um perfil no Instagram "EquipeMultidisciplinar
Col. Alfredo" (2023)**, na qual tinha o objetivo de alcançar a comunidade externa,
na qual onde se sabe, o objetivo foi alcançado, foram publicados vídeos
introdutórios com sugestões de leituras sobre filosofia africana, resenhas dos
estudantes sobre alguns textos, destacamos, O discurso sobre o colonialismo,
de Aimé Césaire e Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio,
de E. V. de Castro, além de algumas considerações sobre os perigo da
proliferação da ideia de racismo reverso. Além da proposta de estar inserido na rede social, a Equipe Multidisciplinar contou com a participação de professor da Universidade Federal do Paraná e de professores de outras instituições.
No primeiro semestre, houve a participação virtual do Professor Hector Guerra, comentando aos integrantes da Equipe Multidisciplinar sobre a sua experiência como docente no departamento de história na Universidade Federal do Paraná, bem como os seus desafios. No segundo semestre, desta vez presencialmente e mais voltado para os estudantes do ensino médio, o Professor Hector palestra sobre o seguinte tópico: "História contemporânea da África", na qual foi problematizado o silenciamento midiático sobre os conflitos que ocorrem pelo continente na contemporaneidade.
Ainda no 2º semestre, também houve outras palestras, na modalidade virtual, houve a participação do Prof. Dr. Pedro Gonçalves, "O mito da democracia racial: uma perspectiva filosófica”, palestra voltada para as turmas do período noturno, EJA e ens. médio.
Também houve a participação da Profa. Ma. Mirian Mazzardo, professora de sociologia e de português, abordou os seguintes temas: “De
1888 a 2023, o que mudou? Desafios do combate ao racismo no Brasil” e “A
escrevivência como forma de libertação: o mito da democracia racial no Brasil”
palestras voltadas aos estudantes do ensino fundamental II e médio do período matutino e
vespertino.
Além das palestras que considerei fundamentais para a comunidade interna e externa escolar, também me propus a ministrar ao longo dos 2 trimestres sobre a temática. Desta maneira, decidi fazer algumas alterações na bibliografia que eu iria utilizar (já que ao longo do ano letivo me recusei utilizar o RCO+Aaulas, além de retirar a minha autonomia como docente, são conteúdos superficiais, ou seja, não é aproveitável). Normalmente quando começo a falar sobre filosofia contemporânea, eu começo com o niilismo, o pessimismo, decadência dos valores, o advento das tecnociências etc., decidi que com o 3ª B do período noturno, eu iniciaria falando sobre, falando sobre os conceitos de “racismo estrutural”, de Sílvio Almeida
e “lugar de fala”, da Djamila Ribeiro, obtive resultados positivos, pois além de incitar os estudantes a comentar sobre o tema, causou diversas reflexões que considerei como pertinentes.
Já com os 1 anos (período matutino e noturno) ao apresentar a história da filosofia canônica, isto é, o que já é consolidado no âmbito acadêmico que é reforçado nos materiais didáticos, incentivei a ampliação deste cânone, por meio de outros trabalhos, tais como a deValter Duarte Odará, A filosofia do Egito Antigo (Kemet): Ptah-Hotep
e estoicismo (2020); Katiúscia Ribeiro, Filosofia africana antiga:
perspectivas contemporâneas (2020) e Renato Noguera, Os gregos não
inventaram a Filosofia! (2021).
Além desta proposta de revisão histórica/bibliográfica, também foi abordado o UBUNTU, em um primeiro momento, a partir de uma perspectiva metafísica (ou cosmológica) do "Hakuna Matata", tal proposição tornou-se célebre através dos personagens Timão e Pumba da animação de Rei Leão (1994), e posteriormente, por meio de uma perspectiva ético/político, analisando o caso de apropriação que houve do conceito por parte de Desmond Tutu (1931-2021) durante a vigência da Comissão de Reconciliação e Verdade na África do Sul.
Durante do ano letivo e após a realização das atividades propostas, julgo que os resultados foram positivos, pois além de contribuir na formação do pensamento crítico dos estudantes, também contribuíram para a compreensão do nosso passado histórico, além de perceber os desdobramentos de certos fenômenos na contemporaneidade. Retomando o título desta comunicação, sim, é possível falar de filosofia africana nos espaços escolares, no ambiente acadêmico e até mesmo ultrapassar as suas respectivas fronteiras.
*Meus agradecimentos a todos os integrantes pelo apoio e incentivo, sobretudo à
Diretora Prof.ᵃ. Cleudane de Andrade.
** Infelizmente, o perfil não existe mais.
Para assisitir:
Sugestão de leitura:
Renato Noguera. O ensino de filosofia e a Lei 10.639